segunda-feira, 18 de março de 2013

António...


"(...) levanta-te do papel com as palavras. Fecha os olhos e elas saem sozinhas. As palavras são notas, repara. Não penses em nada, abandona-te. O mundo inteiro está dentro de ti." (1)

Um livro de crónicas, o quarto em que o escritor de Sôbolos rios que vão ou de Ontem não te vi em Babilónia nos dá a intimidade do seu olhar sobre os objectos na respiração do quotidiano, dos gestos que nos encantam entre a solidão do que tantas vezes somos e do que admiramos no mais pequeno olhar. António oferece-nos com mais nitidez o trabalho artesanal do escritor que do mundo, da humanidade se reconstrói em cada coração para chegar aos olhares mais particulares, à sombra das árvores nas janelas.

Um livro como todos os seus livros entregue ao leitor, às células por onde caminha o fio do mundo e onde com as suas memórias redige as suas palavras, reformula os significados dessas notas que por entre as cotovias do bosque nos parecem tão pouco expressivas para a raridade do momento.

E a comoção que nós somos em tantos, aquelas palavras, aqueles gestos na conquista breve dos dias. António é um poeta não das palavras, mas do real por onde conquista nas sombras e ausências os significados universais do que significa viver, existir e morrer. 

(1)  António Lobo Antunes, "Já escrevi isto amanhã", Quarto Livro de Crónicas

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