quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Na memória de David Mourão-Ferreira

David Mourão-Ferreira foi um príncipe das letras, no sentido em que detinha um conhecimento muito apurado da, das formas clássicas da Literatura, a que ele deu um grande contributo. David nasceu em Lisboa, a vinte e quatro de fevereiro de 1927, cedo tomou conhecimento de autores que vão marcar a sua obra como Paul Valéry, Marguerite Yourcenar, Marcel Proust, ou José Rodrigues Miguéis, que era amigo do seu pai. Ainda estudante participa no MUD juvenil, e conhece figuras como José Régio ou Fernanda Botelho. 

Publica os seus primeiros ensaios, designadamente nas revistas Seara Nova e Ocidente. Dirige as folhas de poesia Távola Redonda (1950) e publica o seu primeiro volume de poesia, A Secreta Viagem. Foi professor na Escola Comercial de Veiga Beirão e no Liceu de Pedro Nunes, ao mesmo tempo que continuava a publicar ensaios ou poemas naquelas e noutras revistas, como Árvore (1951), Tetracórnio (1951) ou Graal (1956), que com novos títulos começava a afirmar-se sobretudo como poeta e participava de forma activa na vida literária portuguesa, através da intervenção crítica mais ou menos polémica ou da divulgação de poetas da sua geração e das gerações anteriores. Participou com textos numa obra importante, Dicionário da Literatura, (coordenado por Jacinto Prado Coelho) em 1960 e de 1969-71. 

Foi assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.  Como professor marcou várias gerações de estudantes na regência das cadeiras de Teoria da Literatura e de Literatura Francesa I e III. David Mourão– Ferreira participou na sociedade do seu tempo de uma forma ativa e empenhada. Alguns dos seus textos chegaram ao cinema e ao teatro e teve um grande influência na música tradicional de lisboa, concretamente o fado. Compôs inúmeros poemas que foram cantados por Amália Rodrigues, como “Barco Negro”, “Primavera” , “Libertação, “Primavera” ou  “Ando o sol na minha rua”.

David foi secretário de estado da cultura entre 1976 e janeiro de 1978, eme 1979. Trabalhou em vários jornais e teve uma presença importante na televisão, como “Imagens da Poesia Europeia”. Foi ainda Diretor das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian. E foi professor. Um professor que se destacou junto dos seus alunos por lhes dar uma formação teórica, que se aliava a uma grande capacidade de diálogo, testemunho de um gosto pela literatura, pelos alunos, numa ideia sentida pela partilha. 

Propunha uma comunicação de afeto e de exigência, que se articulava nos aspetos formais e no gosto de articular as ideias em palavras, onde os arquétipos culturais se organizavam de forma sublime. David Mourão-Ferreira era assim um mestre, no sentido de condução que dava aos seus alunos, neste reino da palavra e das ideias pensadas e sonhadas. Foi em Bari um professor reconhecido e lembrado, como o seria como poeta, prosador e uma pessoa de um grande reconhecimento por essa dádiva máxima, espantosa que é viver.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Leituras - Carta ao futuro

O que era o País e o mundo em 1957? À excepção de Sophia e de Jorge de Sena, o País era na década seguinte ao fim da 2ª Grande Guerra a manipulação cinzenta de uma fantasia de crianças. O Mundo após o terror alemão conduzido pelos nazis emergia no que alguns consideravam o homem novo, os amanhãs que cantariam. 

Em fins da década de cinquenta o País e o mundo eram a mais profunda sonolência, uma anestesia de vontade por algo que significasse decência e humanidade. É desse ano que Vergílio Ferreira escreve um livro que devia figurar nas estantes de qualquer pessoa com sonhos de compreender a vida e ter nela um papel substantivo.

Vergílio tornou-se mais conhecido. Um pouco mais. Não muito mais. Pois ainda é possível ouvir doutores da formalidade invocar a sabedoria de sebentas, onde palavras comuns desenham gramáticas de compreensão pouco empenhadas nesse sentido que  foi a sua escrita. A da justamente invocar a nossa verdade emotiva, aquela que nos faz apreender o mundo, por cima de códigos ideológicos, ou de confissões do nada. Vale a pena lê-lo. Ele foi um percursor da substância que mora em nós, um leitor da brevidade e da magia de estar vivo.

Com Vergílio Ferreira aprendemos a difícil ética de sermos humanos, compreendemos a necessidade absoluta de olhar o mundo através de um sentimento estético, que apenas a arte nos permite obter. Com Vergílio percebemos que a leitura do mundo faz-se pela nossa emotividade, a quilo que nos faz ter sentido, "a verdade humana" que nos orienta. É no nosso diálogo com uma dimensão estética da vida que o mais essencial de nós se afirma. Nos cem anos do seu aniversário percebamos tão grande lição dada quando muitos gritavam revoluções e impérios universais. Obrigado amigo!