domingo, 31 de maio de 2015

Serralves 2015

Mais uma vez Serralves em Festa foi uma demonstração de arte contemporânea, integrando áreas como as artes performativas e as artes visuais, num parque pleno de biodiversidade. Serralves desenvolveu este ano um programa variado, com o tema "Um entre muitos", na ideia de que cada um de nós pode integrar um colectivo e pode sentir-se como parte dele. Um imaginário de descoberta e pertença, que o Porto faz de uma forma sublime..

domingo, 24 de maio de 2015

Leituras - Quando fui outro

Quando o lemos interrogamos o real continuamente e verificamos que parcela de identidade se nos compõe. Em cada leitura descobrimos palavras novas, significados diferenciados. Em cada página que ele nos dá pensamos nesse pedaço de eternidade que é o presente, ameaçado pela efemeridade de um presente incandescente e o futuro maravilhado em tantas linhas de horizonte.

Em cada uma das suas páginas um exército de críticos e analistas enquadra-o em heterónimos, em possibilidades, em estados de espírito, em sensações múltiplas. As suas páginas são também a sua biografia. Ele concedeu-nos essa unidade desafiante que se confronta com o sentido que o real nos dá em oportunidades difusas e multicolores.

A sua biografia é uma impressão, um gesto de uma genialidade complexa e universal. Foi com ele que atingimos a universalidade dentro de um particular de pouca grandeza, onde sabemos distinguir a palavra, a dúvida e o sonho. Inventou, num mar de aparente solidão, uma nova forma de apresentar as palavras, de desenhar ideias de futuro, construindo uma língua, uma literatura.

 Ele somos todos nós. Aqueles que ele inventou nos quotidianos onde tantos seres particulares ganham a sua originalidade, a sua universal humanidade. Se há poeta, se há escritor, se há literatura, ele é tudo isso. É a demonstração de que um país é a sua cultura, a sua língua, as suas pessoas, a sua individualidade. Luis Ruffato olhou para esta universalidade e deu-nos um livro que selecciona os poemas dos principais heterónimos, sem os enquadrar nesse sentido, antes, organizando a poesia de Fernando Pessoa em temáticas que o permitem compreender. 

Da estranheza da alma, à ideia de renúncia do pensamento, ao sofrimento de cada um, num mundo sem referências, do cansaço como um barco numa praia deserta, as convenções sociais e a sua infeliz consequência nas realidades naturais, o amor que nos desafia belo e inútil, que não se revela numa vida breve. Luiz Ruffato tentou compreender a unidade de Pessoa e entender na sua obra literária o que ele próprio foi.

Descobriu aquilo que torna Pessoa universal, a ligação profunda entre arte e vida, procurando ultrapassar as sombras que nos cercam e encontrar "essa outra coisa linda", que somos nós próprios. Com esta antologia vemos melhor a grande dádiva que Pessoa deu à língua, forma de expressão e renovação de quem com ela quiser nascer, a esperança de sobressair sobre esse desamparo da vida, esse tempo longo, de vidas breves, como as nossas.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Na memória de Ian



Avenues all lined with trees, 
Picture me and then you start watching, 
Watching forever, forever, 
Watching love grow, forever, 
Letting me know, forever.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Um governo de medo e mentira (VII) - Os tribunos

"A perda dos valores espirituais acarreta o desaparecimento não só da moral como também da cultura na acepção original da palavra: cultura animi ou cultura da alma". (1)

O sucesso do governo actual no curto prazo, pois a longo prazo será uma perda irreparável, se ainda podemos acreditar que um país é uma comunidade de pessoas, interessadas no bem comum, baseia-se em três pilares, todos eles, devedores de uma ideia de sociedade sem princípios. 

A culpa, estratégia antiga, que os mais negros regimes do século XX praticaram, como se viver num espaço social fosse um crime, como se os que são jovens tivessem de pagar por ser só jovens sem experiência, os velhos acomodados a pensões irreais, como uma maldade para um esclarecido programa.

A amnésia das instituições e a partidirização dos órgãos de soberania, como o actual presidente da república o tem conduzido, às suas máximas possibilidades, tornou a sociedade adormecida e sem voz para a sua própria memória quotidiana. Amnésia a que junta instituições como a Igreja Católica Portuguesa e o seu bispo maior, esquecido em rituais sem palavras para as pessoas. 

Os tribunos, comentadores dos media são a ponta final mais visível deste adormecimento. Existem muitos e nobres exemplos, do Económico ao Observador é só escolher. Nasceram economistas em cada esquina, as reais trombetas do poder, dos que decidiram pensando-se grandes analistas, abandonaram tudo por uma sociedade de massas envolvida por uma cultura Kish. São o alimento para uma sociedade do poder do mais forte, de uma política cega, por uma identidade das pessoas, em clientes, espectadores, qualquer coisa indefinida. Vale a pena pensar no  exemplo dado pelo mais ilustre dos comentadores, justamente o Professor Marcelo Rebelo de Sousa.

É tratado como professor, diz-se da academia, dessa ousadia do conhecimento que se revê em valores culturais, mas o seu programa conduz-nos sempre para essa domínio mínimo de bem, que é a política. O comentador é famoso por comentar a realidade com bonomia, não desmontando o que fazem outros países, de uma outra intervenção cívica, que é a de desmontar os mecanismos do poder, no quotidiano. Nas suas análises a ideologia tudo explica, como se as pessoas e os movimentos não tivessem outros processos, outras formas, outras contradições.

As graçolas com que diverte um país irreal leva-o para o país da amnésia que os órgãos de soberania actuais cultivam. Abundam os exemplos em que a esperteza do primeiro ministro em vez de serem analisadas pelo que são na construção de uma sociedade sem exemplos de cidadania, são vistos como pontos perdidos em eleições. O discurso como comentador é uma cristalização de pequenos episódios rudimentares, apenas explicados por ideologias de um quintal sem assombro. Temos de regressar a Eça, a política continua sendo neste País, apenas esta grandeza de alma. Marcelo Rebelo de Sousa contribui de forma significativa para esse grande gesto estrutural, de não inscrição dos mecanismos do poder nos media. Lamentável.

Sabemos, pois até os gnomos da floresta o sabem, que ele será candidato a Presidente da República. O professor acha-se numa torre de marfim e pode comentar os seus futuros colegas de aventura política. Que valor ético transmite com este exemplo? Basta ser televisivo para se ser candidato. É a oportunidade e os meios que fazem as pessoas e os seus gestos de modernidade? De Santana Lopes, a Sócrates quantos lamentáveis casos viveram deste ocaso de frontalidade, apenas na gestão de feixes ocasionais de acesso ao poder?

(1) Rob Riemen. Nobreza de Espírito. Bizâncio. 2012.
Imagem, © – Martin Cekada

terça-feira, 5 de maio de 2015

Leituras avulsas (1)


"- Sabe Vossa Excelência qual é o nosso mal? Não é má vontade dessa gente; é muita soma de ignorância. Não sabem. Não sabem nada." (Eça de Queirós, Os Maias, Capítulo IV)

1. O mais elevado exemplo de empreendorismo - (Nicolau Santos)

2. O negócio puro e transparente dos privados - (Nuno Serra)

3. A única realidade que tão elevados seres conhecem - (Mariana Mortágua)

Durante séculos alguns ingénuos imaginaram que o conhecimento, a construção de uma ideia de civilização eram possíveis ser feitos também aqui numa ideia de democracia participada. As afirmações do srº primeiro ministro, a forma como o bem público é destruído leva-nos a uma ideia de que não é possível esperar algo de quem o não pode dar. Elogiar quem se dedicou a burlar um banco e a fazer pagar quem nada teve a ver com esses lucros criminosos (BPN) ´so nos pode reconfortar, porque acreditem é um reconforto de alma. Esta gente apenas concebe este empreendorismo, nada mais. A vida existe apenas para isto, satisfazer o altruísmo cívico de tão elevadas figuras da Nação.

domingo, 3 de maio de 2015

Leituras - Obras de Fernando Pessoa (V. I)

"Eles passam por mim; não são os meus pensamentos,
mas pensamentos que passam por mim (Diário, 1910)

É a entrada de uma editora na publicação da obra de Fernando Pessoa. Aqui no nº 1, designada Pensamentos e citações e que procura em volumes futuros dar uma mostra de um grande edifício - a obra do grande poeta e escritor Fernando Pessoa. Tem a virtude de organizar os diferentes heterónimos tematicamente, dando pela primeira vez,  a voz em colectâneas de textos a Bernardo Soares.

Ler Fernando Pessoa, seja de que forma seja, é sempre uma acção que nos desconcerta pela multiplicidades de vozes que nos são dadas. O livro, de dimensão reduzida e preço muito aceitável é um convite para os interessados se chegarem à pedra mais firme da sua obra. 

Lendo os excertos de diferentes áreas do livro, temos de concluir com Nuno Hipólito (o organizador) que " as coisas não têm significação, que são apenas como são". Se é inútil compreendê-las, podemos pensar nelas e dar as nós próprios os significados que conseguirmos extrair dessa realidade. Um excerto dessa ideia que Alberto Caeiro leva ao máximo para se afirmar na formulação do Ser:

Acho tão natural que não se pense
Que me ponho a rir às vezes, sozinho,
Não sei bem de quê, mas é de qualquer coisa
Que tem que ver com haver gente que pensa ... (p. 146)

sábado, 2 de maio de 2015

Dia da Mãe

o sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.

Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens
enquanto o amor é cada vez mais forte.

E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas. 
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.  

E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo 
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães. (...)   

E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.   


   Herberto Helder, "Fonte", in A Colher na Boca, 1961
Imagem, Angela MorganMaternitat