As
últimas notícias sobre o nosso sistema de ensino ilustram quão certeiro foi o
pensamento de António Aleixo, poeta do povo: “Há tantos burros mandando em
homens de inteligência, que às vezes fico pensando que a burrice é uma
ciência”.
1.
João Costa veio, em artigo de 30 de Maio passado (Observador), defender-se das
críticas às suas teorias sobre flexibilidade e inclusão. Abalroada pela
demagogia que a domina, a prosa do secretário de Estado assentou num
maniqueísmo primário e populista. Segundo ele, uns querem sucesso e inclusão
para todos (ele e prosélitos), outros (os que lhe criticam os métodos),
preferem reprovar os alunos. Escapou-lhe considerar que o que separa a turma
dele (perita em baixar a fasquia dos pobres em vez de lhes conferir os meios
para chegarem onde os ricos chegam) da turma dos outros é a recusa, por parte
dos segundos, a certificar a ignorância. E que o grande combate a favor da
inclusão começa fora da Escola, sob responsabilidade alheia aos professores,
colada, outrossim, à pele dos políticos promotores da mediocridade. E
continuará na Escola, quando substituirmos proclamações palavrosas, papéis e
burocracia por meios, recursos e dignidade para quem ensina.
2.
Outro Costa, este António, fez-me recordar a eloquência de Américo Tomás (nos
anos 60, disse o então Presidente da República numa inauguração: “É a primeira
vez que estou cá desde a última vez que cá estive”). Afirmou o nosso
primeiro-ministro, coveiro da justiça devida aos professores, numa escola de
Arcos de Valdevez: “Uma escola são aqueles que estão na escola, que vivem,
trabalham e estudam na escola. No início de final do ano lectivo presto grande
tributo pelo trabalho que têm desenvolvido e que, mais uma vez, este ano
desenvolveram”. Os professores presentes na sala, apesar de bofeteados pelo seu
cinismo, continuaram na sala.
3.
Leu-se profusamente na imprensa que o Governo criou um regime especial de
avaliação para que professores possam progredir na carreira. Ora o Governo não
criou coisa nenhuma. Foi a DGAE que “criou”, com uma simples “nota
informativa”, uma brincadeira para remediar a trapalhada que o Governo pariu.
Ou seja, o homem demitia-se se a AR fizesse cócegas ao OE, para fazer justiça
mínima aos professores. Mas não tugiu nem mugiu quando uma directora-geral
resolveu (com impacto orçamental) ao contrário do que continua escrito na lei.
4.
Com aulas a funcionar, vigilâncias a promover, conselhos de turma em
simultâneo, exames nacionais a preparar e instruções a pingar a toda a hora, a
vida das escolas foi nos últimos tempos um inferno logístico, a que se somaram
as provas de aferição. Excluindo ministro e secretários de Estado, é difícil
encontrar quem defenda provas iguais para curricula diferentes, absolutamente
estéreis e sem nexo para concluir sobre a evolução do que se aprende,
resistindo à sua óbvia inutilidade.
5.
O Parlamento decidiu aumentar o salário dos juízes dos tribunais superiores, os
quais, a partir de agora, poderão ganhar mais que o primeiro-ministro. Ao
fazê-lo, retirou legitimidade moral e ética à retórica da contenção salarial.
Com efeito, é inaceitável, no domínio dos princípios constitucionais, que as
carreiras das classes profissionais sejam tratadas em função da expressão
numérica que as caracteriza, falemos de professores, militares ou outros
portugueses.
E é revoltante que se diga (deputado Fernando Anastácio,
apresentador e defensor na AR da proposta socialista, casado com uma juíza, por
coincidência do destino relatora do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
que absolveu Maria de Lurdes Rodrigues da inicial pena suspensa de três anos e
meio de prisão e, por graça de Deus, pai do jovem Pedro Anastácio, membro do
secretariado nacional da Juventude Socialista, envolvido, por inveja dos
homens, na decantada polémica do familygate do PS), no caso dos juízes,
tratar-se tão-só de repor um direito que já existiu, enquanto se ignora, no
caso dos professores, o que uma lei em vigor dispõe. Tudo no mesmo Estado, dito
de Direito. Aos professores e ao Direito o PS disse não e chantageou com a
demissão. Aos juízes e aos costumes de conveniência disse sim e curvou-se
servilmente. Pelo menos, ficou ainda mais clara a densidade da ética
republicana deste PS.
Santana Castilho, Jornal Público, 11.06.2019
Imagem: Copyright - René Magritte, Ceci nést pas une pipe, 1929, Los Angeles County Museum of Art.