domingo, 17 de março de 2013

Last Days...

"A História, a Cultura, a Identidade, o Espírito, o sentido individual e colectivo da Transcendência, a educação para a partilha e a espiritualidade, são encarados, por esta mentalidade técnica, como meras cócegas da alma" (1).

A palavra apresenta em si a apreensão do real, dá a conhecer na memória as experiências do caminho e é mais do que um utensílio da linguagem. Com a palavra se conhece e se revela o mundo, se constrói uma identidade. Ela não é alienável à coerência das ideias, à liberdade de pensar, à responsabilidade do direito que exige um património cívico. A palavra não é um instrumento, é a revelação de uma acção. O seu exercício depende do estabelecimento de uma conversação com os outros, com a memória e com o valor das ideias. A identidade a uma comunidade e o exercício da liberdade dependem desse vínculo de construção para validar a soberania em que se constrói o sistema democrático.

A cinco de Maio de 2011, o País recebeu mais uma vez, a confirmação do seu insucesso como projecto nacional. Incapaz de se auto-regular, vive-se uma anestesia maioritária sobre a preparação já não do futuro, mas da possibilidade de existir. A palavra, desregulada de uma expressão de ideias, ferramenta de repetições de estereótipos, de interesses pessoais, não do País, ou do dever público tem forjado um adormecimento gritante. A realidade em Portugal não se inscreve no quotidiano, não é testemunhável na respiração das pessoas, nos seus direitos de avaliar a gestão pública.

O empréstimo financeiro do FMI revela no pior de nós, a incapacidade de ser participante na civilização do seu tempo e a demonstração que como comunidade não sabemos avaliar há muitos anos a capacidade governativa do sistema político. Perante as impossibilidades financeiras, ignoramos ideias e insistimos no erro de seguir promessas que todos sabemos incompetentes e ineficazes. A sonolência democrática de alguns que circundam o sistema político e mediático conduz à passividade e à admissão que o erro, a incompetência não é censurável politicamente, não tem resultados.

É justamente por as palavras serem actrizes de um espectáculo ensaiado e programado que elas não têm podido exercer a sua acção transformadora. Abdicando da História, isolando a Filosofia, marginalizando o bem escrever, a postura oral das palavras, os doutores da expressão momentânea do pensamento utilitário têm trazido ao real uma substância irrelevante. O desastre das escolhas concretiza este desprezo pelo saber onde a razão tem ficado prisioneira do espectáculo mediático.

A crise económica e social de Portugal é sobretudo a confirmação da decadência moral de um País que apenas consegue viver os dias como as ondas que chegam à praia. Sem entusiasmo, apenas reproduzindo nos dias essa profecia de Eça "apenas existir".

(1) Miguel RealA morte de Portugal, Campo das Letras

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