quarta-feira, 24 de junho de 2020

Biblio@rs (XVIII-XXI)

A Civilização Grega - ideias finais (I)
Tentámos por aqui fazer uma viagem sobre a arte desde a Pré-História, as Civilizações Pré-Clássicas e as suas principais marcas que se desenvolveram na margem do Mediterrâneo. A Civilização Grega foi um marco na História da Humanidade. Demos-lhe um significativo destaque. Esta viagem poderia continuar e talvez seja uma ideia interessante fazê-lo no próximo ano letivo, não só porque é uma componente curricular de uma disciplina, mas porque o mundo que herdamos é feito de uma memória que influencia o modo como pensamos e cria possibilidades para a vida que ensaiamos construir. Para os últimos três dias, uma ideia final e duas publicações sobre esse mar visual de grande significado que é a Civilização Grega.

A mitologia, as lendas, as narrativas orais foram uma das formas de realizar uma aprendizagem para um povo disperso entre cidades-estados e ilhas, no vasto Mediterrâneo. Esses textos deram unidade a uma cultura, a uma língua e retratam o modo como a memória se integrava no quotidiano da sociedade grega. Desse tempo ainda permanecem dois livros fundadores, A Odisseia e a Ilíada, ambos atribuídos a Homero. São dois textos sobre a procurar definir a viagem, como lugar de procura e de encontro, mas também sobre o sentido que podemos tirar da vida. É desta realidade última que fala a Ilíada.
Na Ilíada encontramos um poema épico que nos retrata uma figura essencial da narrativa de Homero, Aquiles. Este transtornado pela perda do amigo Pátroco mata Heitor, arrasta-o até ao túmulo daquele e acaba por restituí-lo a Príamo, rei de Tróia. 
Trata-se de um episódio relativo à guerra de Tróia e esta narrativa, a Ilíada coloca-nos questões muito relevantes, que ainda nos importam. É importante compreender que estas vozes do passado podem ainda nos fazer refletir sobre as possibilidades do nosso próprio mundo, pois as grandes questões são as mesmas. Qual o significado da vida, como enfrentar a perda e a finitude daquela. 
A Ilíada sobre um fundo de uma narrativa épica fala-nos sobre o  sofrimento humano e como é difícil passar ao lado das dificuldades da própria vida.  Como superar as dificuldades, as surpresas que tantas vezes se encontram na vida? 
É a defesa da sua auto-estima que faz lutar Aquiles. São os valores da sua identidade que fazem lutar Heitor. Valores diferentes e que comportam o valor individual, suficiente só consigo ou o que integra os outros. E ainda que o valor máximo é a vida. É isso que Aquiles compreende nos momentos finais, no funeral de Heitor. A morte como o fim único e possível para todos os seres vivos é a lição final da Ilíada. A vida como espaço de efemeridade, sem proteção absoluta, mas encantadora pelo desafio de defesa de uma ideia, de um sonho, de uma respiração.
Aquiles, herói da guerra de Tróia, representação (museu de Atenas)

terça-feira, 23 de junho de 2020

Biblio@rs (XVIII-XX)

A Civilização Grega - o belo como representação (IX)
A Civilização Grega não permaneceu apenas no seu tempo. Influenciou os séculos seguintes de um modo muito substantivo. A Alta Idade Média ou o Renascimento foram apenas duas das muitas influências que deixaram. Nem sempre nos apercebemos, mas a revolução científica nascida com o Renascimento deveu muito a esta civilização do século V a.C., pois a ideia do número, a linguagem matemática como forma de encontrar algo a compreender no rela é uma ideia grega.
Na Civilização Grega os pitagórico, os que continuaram as ideias de Pitágoras fizeram do número um conceito essencial para tornar o real inteligível. Os pitagóricos fizeram do número uma grandeza que permitiu evoluir do conceito aritmético ao geométrico e espacial. Inventaram o tetraktys que é na verdade um triângulo em que o ponto central está equidistante dos pontos que formam o triângulo equilátero, que significa com três lados iguais. É possível dar continuidade à série de cada ponto, de modo que se obtêm uma figura, um "reticulado potencialmente infinito". 

Os pitagóricos descobriram nestas harmonias geométricas uma forma de belo, um sentido inteligível do universo, pois as harmonias aritméticas tinham correspondência em harmonias geométricas. Na verdade os pitagóricos redefiniram o conceito do número. Uma das relações que foram estabelecidas foram as relações matemáticas com os sons musicais e que proporções se definiam entre os intervalos dos sons e ainda a relação entre o comprimento de uma corda e a altura de um som. 
A ideia do belo também se representa pela ideia de harmonia musical. Boécio na Idade Média confirmou esta ideia de harmonia dos pitagóricos lembrando uma observação feita por Pitágoras. Num dado dia, um ferreiro colocara martelos de diferentes pesos que criavam sons proporcionais a essa dimensão. Sabemos que com eles a música influenciava diferentes estados de espírito. O ato de adormecer e acordar era realizado pelas pitagóricos como forma de verificar a modulação do som e o efeito em cada pessoa. Talvez nem sempre o percebamos, mas a representação do belo também se faz pela música e por esta ideia pitagórica de proporção.
Imagens: "músicos", cerâmica grega - século V a.C; Michelangelo Buonarroti, Estudo para a sala dos livros raros da bibioteca Laurenziana, Florença, c. 1516.

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Biblio@rs (XVIII-XIX)

A Civilização Grega - o belo como representação (VIII)
 
"Está já pronto outro vinho, que garante que jamais
abandona ao barro o cheiro a mel da sua flor.
No meio, uma árvore de incenso desprende um sacro aroma;
a água está fresca, doce e pura.
Aqui temos os pães e a mesa sumptuosa,
carregada de queijo e de pingue mel.
Ao meio, o altar está todo coberto de flores.
A música festiva domina o ambiente.
Ao deus devem os homens sensatos entoar primeiro um hino,
com ditos de bom augúrio e palavras puras.
Depois de fazer as libações e preces para procederem
com justiça — pois isso é a primeira lisa —
não é insolente beber até ao ponto de se poder voltara casa
sem ajuda de um escravo, a menos que se seja muito idoso."
Xenófanes de Cólofon (séc. VI-V a. C.) - Hélade, Antologia de Cultura Grega. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira.
Imagem: Apolo e as Ninfas, de François Girardon (1666-73), na Gruta de Apolo, em Versalhes

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Biblio@rs (XVIII-XVIII)

A Civilização Grega - o belo como representação (VII)

O ideal de belo dominou a arte e a Civilização gregas. A beleza é uma ideia, uma abordagem de valores e uma representação. Não se pode falar dela sem falar naqueles que pensaram o seu sentido, as suas possibilidades, as suas possíveis faces, os filósofos. Se para os poetas pré-Homéricos o mar e a mulher constroem a associação com o que é belo e se com Homero é o natural que se associa à beleza, é com Sócrates e Platão que vemos essa construção melhor se definir.
Sócrates, de acordo com o seu testemunho em Memorabilia de Xenofonte define a praxis artística em três categorias: a beleza ideal (identificada pelas suas diferentes partes), a beleza espiritual (exprimida pelo olhar e reveladora da alma humana, visível nas esculturas, onde os olhos eram pintados para serem mais verdadeiros) e a beleza útil (a que se torna funcional). 
Em Platão encontramos duas concepções da beleza que se desenvolverão ao longo da História do Ocidente por muitos séculos. Justamente a beleza como harmonia e proporção das partes e a beleza como esplendor. Para Platão a beleza não é algo que exista em si, como um elemento físico. Ela existe autonomamente, distinta do suporte físico. Em Platão a beleza não está vinculada a um determinado objeto, ela apresenta-se brilhante em qualquer lado.
A beleza não se identifica com o que se vê, pois o corpo é para Platão uma prisão, uma caverna que aprisiona a alma. Assim o belo necessita de uma aproximação sensível e deve ultrapassar a visão do intelecto. Para Platão a observação das artes imitativas torna-se prejudicial para os jovens porque lhes cultiva uma aparência. O essencial para a compreensão e acesso ao belo seria proporcionar a beleza das obras geométricas que se baseia na proporção e numa concepção matemática do universo. Estas ideias irão influenciar o pensamento dos pitagóricos, que na Grécia foram muito importantes não só na filosofia, como na área da matemática.
Imagem: Afrodite de Cápua: Escultura do período clássico (século IV a.C,) aqui como cópia romana do século II; Museu Arqueológico Nacional de Nápoles.

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Biblio@rs (XVIII-XVII)

A Civilização Grega - o belo como representação (VI)


A harmonia é um dos conceitos que nos permite compreender a representação do belo na civilização grega. O conceito de harmonia é distinto conforme o período, pois dos pitagóricos a Heráclito, de Policleto a Vitrúvio a evolução do conceito permitiu construir uma ideia de belo. Para os primeiros pitagóricos a harmonia fundava-se numa oposição. Oposição entre par e ímpar, ou masculino e feminino, ou unidade e múltiplo. Desta oposição apenas uma realidade poderia assumir a perfeição. O ímpar, a recta, o quadrado assumem um lado de bom e de belo e os seus contrários assumem o erro, a desarmonia.

Heráclito faz uma evolução desta ideia dos pitagóricos e assume que se o real vive um conflito entre unidade e multiplicidade importa viver dentro de uma tensão que é a da própria realidade. O conceito de harmonia em Heráclito é feito não da ausência do que está em desarmonia, mas do todo e do seu equilíbrio. Os pitagóricos do século IV a.C., integrarão as ideias de Heráclito.

Assim no período mais florescente da Grécia clássica a harmonia é construída como um equilíbrio entre entidades opostas. Entidades que se anulam uma à outra e que de uma evidente contradição nasceria uma harmonia fundada no conceito de simetria. A Grécia clássica assume o valor da simetria dentro do conceito de harmonia instaurando um cânone que define o belo. 
No século IV a.C., Policleto e a sua estatuária impõe esse valor do cânone, onde se encontram presentes aos valores das proporções no sentido geométrico. É a proporção o seu valor mais relevante, não o equilíbrio das partes. Vitrúvio mais tarde definirá a proporção exacta das representações do corpo. A representação do belo na escultura não segue uma unidade fixa, mas impõe um sentido orgânico. Os elementos do corpo devem estar adaptados ao movimento do corpo, à sua representação, à perspectiva, ao ângulo do espectador. Para Vetrúvio importa distinguir a proporção que representa uma técnica de simetria, da euritmia que faz a adaptação das proporções àquilo que a visão vai observar.

Imagem: Doríforo , cópia do original de Policleto, 450 a.C., Museu Nacional Arqueológico de Nápoles

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Biblio@rs (XVIII-XVI)

A Civilização Grega - o belo como representação (V)
 "Nas suas mãos a voz do mar dormia
  Nos seus cabelos o vento se esculpia
  A luz rolava entre os seus braços frios
  E nos seus olhos cegos e vazios
  Boaiava o rasto branco dos navios." (1)
É a coisa mais bela da terra, uma fila de cavaleiros” diz. “Não, de infantes”. “Não, de navios”. E eu penso, belo é o que se ama. Fazê-lo compreender é coisa muito fácil, para cada um. Helena, que via a Beleza de muitos, escolheu como seu homem e o melhor aquele que apagou a luz de Tróia: esqueceu a filha, os pais, e foi para longe, para onde quer Cípris, porque o amava. […] Quem é belo, é-o enquanto está debaixo dos olhos, quem também é bom, é-o agora e sê-lo á depois”. (2)
A beleza é uma ideia, uma abordagem de valores e uma representação. A Civilização Grega construiu um conceito para exprimir o belo. Chamou-lhe a Kalokagathía e tem em si um ideal do belo dos gregos que procurava harmonizar a alma com o corpo, a forma com o  espírito. Os artistas tiveram um papel muito importante na sua edificação material.


 A ideia de belo define-se melhor com a aproximação do século V a.C., pois a ascensão económica e cultural de Atenas permite-lhe ter uma noção mais clara do seu sentido estético. A vitória sobre os Persas no tempo de Péricles permitiu desenvolver de modo significativo as Artes, e, como já vimos, com destaque para a pintura e a escultura. 
A reconstrução da cidade, dos seus templos era também uma forma de revelar um orgulho do poder ateniense e permitiu dar um incentivo ao trabalho dos artistas.
A Civilização Grega tem em si outras razões para essa explosão artística. A técnica das artes figurativas gregas é de enorme alcance. A arte grega superou em muitos aspectos a arte da Terra dos Faraós. A arte grega faz uma aproximação entre a sua representação e a vida dos gregos. Tal não acontecia no Egipto dominado por uma arte virada para a abstração e organizada de uma forma muito disciplinada. 

Na  arte grega a escultura procura a expressão de um belo que se observe nos corpos representados. Os grandes nomes da escultura grega (Fídias, Míron e Praxíteles) procuram realizar um equilíbrio entre uma representação que seja realista, nas formas humanas e o respeito por um cânone (kánon) específico.
A escultura grega não constrói uma abstração, uma idealização de belo, mas apenas tenta encontrar o que pode ser classificado como uma Beleza ideal. A escultura grega tenta uma síntese em corpos vivos, onde o belo conjuga uma ideia de corpo e alma. A beleza na Grécia Clássica aspira a representar o esplendor do corpo numa estrutura que projete igualmente a bondade, os valores do espírito. Esse ideal, conhecido com o nome de Kalokagathía teve a sua expressão maior nos versos de Safo e nas esculturas de Praxíteles.
A escultura grega não busca os pormenores da representação. Ela revela com grande preocupação sua, uma representação de formas humanas. Nestas, um pequeno fragmento de movimento ou uma seção de uma ação encontra um equilíbrio e por isso a sua própria essência. Esta reside na simplicidade expressiva, mais do que nos pormenores. Houve algumas exceções, mas elas não representaram o essencial desta ideia grega, a expressão do belo.
(1) - "A Estátua" in No tempo dividido / Sophia de Mello Breyner Andresen. Lisboa: Caminho. 
(2) - Poesia de Safo (séculos VII-VI a.C.), in Hélade: antologia da cultura grega / org. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Guimarães. 
Imagem: Auriga, século V a.C., Museu Arqueológico de Delfos.

terça-feira, 16 de junho de 2020

Biblio@rs (XVIII-XV)

 
A Civilização Grega - o belo como representação (IV)
Nas suas mãos a voz do mar dormia
Nos seus cabelos o vento se esculpia
A luz rolava entre os seus braços frios
E nos seus olhos cegos e vazios
Boaiava o rasto branco dos navios. (1)
"Quem é belo é querido, quem não é belo não é querido". (2)
Expressão de Hesíodo nas bodas de Cadmo e Harmonia em Tebas e subscritas por Eurípedes. 
A civilização grega até Péricles não tinha construído ainda uma estética que formulasse uma ideia sistematizada de Beleza. Existem diferentes ideias sobre a Beleza.
 O oráculo de Delfos à mesma pergunta respondia: "O justo é o mais belo". A Beleza está pois associada a outros valores. Não ficou paralisado Menelau na derrota de Tróia pelo belo seio de Helena? 
A Beleza desenvolver-se-á na Grécia Clássica como os elementos perceptíveis dos sentidos, mas também a revelação de qualidades de carácter. A Beleza entre os Gregos desenvolveu-se de modo diferente consoante falamos dos hinos escritos, das lendas reveladas, da poesia ou da escultura.
(1) - "A Estátua" in No tempo dividido / Sophia de Mello Breyner Andresen. Lisboa: Caminho. 
(2) - Expressão de Hesíodo nas bodas de Cadmo e Harmonia em Tebas e subscritas por Eurípedes. 
Imagem: Fídias, Métopa do Pártenon, 447-432 a.C. Londres, Museu Britânico 

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Biblio@rs (XVIII-XIV)

A Civilização Grega - o belo como representação (III)
Kouré é a designação para pequenas estatuetas que pertenceram ao período arcaico da Civilização Grega, o que antecedeu o período clássico. As estátuas de Korés adotam uma atitude convencional. Elas apresentam a oferenda de um fruto, de uma taça ou de um pássaro. Mas cada escultura se revela individualizada pelo estilo do artista e pelo momento da sua criação no decorrer da evolução da escultura arcaica.  
A estatuária da Koré tem um aspeto majestoso, revelando robustez. As Koré designavam jovens mulheres e tinham sempre na representação uma oferenda que podia ser uma ave, ou um pássaro que se encontrava posicionado perto do peito. Existe uma rigidez plástica e uma revelação do tipo de vestuário usado. 
As Korés eram estatuetas oferecidas durante o período arcaico à deusa Atena e encontraram-se diversas na Acrópole de Atenas. Em algumas Korés da fase arcaica encontraram-se algumas representações que levaram alguns arqueólogos a pensar tratar-se já de uma imagem de deusas, com destaque para as que se relacionavam com a natureza, como Artémis deusa da caça. As Korés são uma das primeiras formas para observar a representação humana e a ideia de beleza que a Civilização Grega foi construindo, embora ela tenha mudado significativamente no período clássico.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Biblio@rs (XVIII-XIII)

A Civilização Grega - o belo como representação (II)

Adónis e Afrodite (na civilização romana Vénus) identificam uma das formas de observar a representação do belo. Afrodite era a deusa do amor. A mitologia fenícia e grega atribuíam a Adónis as qualidades da beleza masculina e que se relacionou no próprio mito com os espaços temporais ligados à natureza. 
Adónis teria nascido da casca de uma árvore, devido à ira de Théias, rei da Síria. Afrodite maravilhou-se com a beleza do jovem e decidiu protegê-lo. Apaixonaram-se quando Adónis já tinha crescido, o que levou à fúria do Deus Ares. Adónis passou para o submundo, onde governava Hades e Perséfone. 
Afodite decidiu então instituir uma celebração anual para lembrar a tragédia e a sua perda. Estas celebrações anuais ocorriam em cidades da Grécia e da Pérsia, desde o século V a.C., durante os quais as mulheres plantavam sementes de várias plantas em pequenos recipientes, chamados jardins de Adónis. 
Este mito de Adónis relacionou-se com os ritos que simbolizavam a morte das plantas e a sua germinação que simbolizava a vida. O mito de Adónis e de Vénus preenche de forma continuada a representação da arte no Ocidente e dessa representação se constrói um histórico da beleza. Falaremos aqui um pouco dessa evolução da ideia de beleza enquanto idealização e representação do belo, no contexto da arte da Civilização Grega.

terça-feira, 9 de junho de 2020

Biblio@rs (XVIII-XII)

A Civilização Grega - o belo como representação (I)
Hoje e há algumas décadas deixámos de lhe dar atenção. Mas a sua representação foi durante séculos uma forma de aprimoramento por uma ideia que tivesse na sociedade tanta substância como a verdade ou a justiça. Durante muito tempo a sua representação edificou valores, pensamentos, formas de estudo, técnicas artísticas e formas de ver o nosso lugar na vida e no Universo. Falamos do belo e da sua representação.
Mais do que as estátuas, os templos, ou as cidades foi esse ideal que criou uma possibilidade daquelas serem criadas e tornou possível a sua própria materialidade. Esse ideal de belo é uma imensa dádiva da Civilização Grega para muitos séculos que se seguiram e permitiu renovações do pensamento, da cultura, da dimensão humana em diferentes sociedades. Os gregos deixaram a sua voz no futuro, mesmo naquele que nós já não viveremos; deixaram a sua inspiração para o possível de novas ideias.
Antes de falar do belo como representação importa colocar uma questão prévia. Quando pensamos em belo vem-nos à mente tudo o que envolve a vida humana. E há nela uma ideia relativa da sociedade e da cultura. O que hoje achamos belo amanhã muda de sentido, pois os códigos de beleza alteram-se. E, no entanto ao olharmos para a Vénus de Milo, ou o Discóbolo de Mirone, expressões da arte grega encontramos ali uma representação de algo que achamos bonito, algo como uma representação substantiva de belo. 
 Às vezes olhamos, gostamos e não compreendemos. Não percebemos, mas achamos bonito. Em muitas circunstâncias o belo talvez seja não só o que ultrapassa a compreensão, ou que está para além dela, mas que é um encontro com algo de maravilhoso e que se possivelmente se mantenha na incompreensão. Visitar um templo, ou ver um quadro, ou admirar uma paisagem provoca-nos sentidos diferentes, mas achamos tais observações belas. E, todavia compreendemos a sua funcionalidade?
Desde os Gregos que a ideia de belo evoluiu. A sabedoria foi a primeira forma de belo, foi nas palavras dos poetas que ela primeiro se definiu, com o que conhecemos da obra de Homero e Hesíodo. O belo relaciona-se com essa dimensão essencial de todos, a vida ainda. Como a podemos alimentar? Com que palavras? Com que sabedoria habitaremos a vida e a sua essência, o seu coração?
Parece pois essencial ter algum pensamento, descobrir nela uma sabedoria para a construir, para a edificar. Os gregos tinham uma ideia para isso e vale a pena conhecê-la no que será a última abordagem nestas últimas duas semanas, sobre essa construção inteligível da vida, a que o belo e a sua representação se encontram associados.
Imagem: Friso do Pártenon

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Biblio@rs (XVIII-XI)



A Civilização Grega - As manifestações artísticas: os espaços do teatro
 O teatro grego ficou ficou como uma das grandes contribuições daquela civilização para os séculos que se seguiram. Os gregos não só o inventaram, como forma de expressão de uma cultura, como lhe deram um significado específico dentro das suas práticas religiosas e inventaram os espaços para a sua existência. Já falámos da sua importância dentro da Civilização Grega e do seu papel na cultura e na arte gregas. Vejamos agora os seus espaços, porque eles significaram algo tão importante como outras estruturas construídas por esta brilhante civilização.

O teatro, inicialmente pensado e concretizado no interior dos rituais religiosos ganharia pela sua popularidade um espaço próprio. A criação de textos literários e o facto de ser apresentado no espaço dedicado a cerimónias religiosas deu-lhe uma dimensão de sagrado que deu ao teatro um grande papel na vida cultural da pólis.  O teatro grego era composto pelos seguintes elementos.

1. Bancada - esta era construída em anfiteatro e destinava-se ao público que assistia às representações. O anfiteatro era construído em forma circular e tinha a dimensão de 3/4 de um círculo. O teatro era construído num declive de uma colina.

2. Palco - O palco, também designado cena ou "proscénio" era o espaço onde os atores faziam a sua representação.

3. Cenário - Este tinha o aspeto semelhante ao que poderia estar à frente de um templo ou de um palácio e enquadrava a representação e ações dos atores. O cenário dava um fundo ao palco, permitindo um melhor enquadramento dos atores.

4. Orquestra - Entre o palco e o público num espaço semicircular ficavam o elementos que se dedicavam ao canto e aos gestos e ações mais ligadas aos rituais. Era o espaço que tinha a maior atenção dos espetadores.

5. Párodo - Era o espaço que permitia uma entrada através de um arco aberto lateralmente para o espaço da orquestra.

É importante destacar alguns dos mais importantes teatros construídos:
  • O teatro de Dioniso, em Atenas;
  • O teatro de Mileto;
  • O tetaro de Epidauro;
  • O teatro de Pirene;
  • O teatro de Pérgamo.
 Imagem: Teatro de Herodes, na Acrópole, Atenas.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Biblio@rs (XVIII-X)

                                               

                                                 A Civilização Grega - As manifestações artísticas: o teatro


A Civilização Grega deu ao mundo ocidental e à História da Humanidade mais um grande contributo ao criar  o Teatro no século VI a.C. As origens do teatro fixam-se nas festas e rituais em celebração de Dionísio, onde se prestava culto a deuses e heróis, se celebrava a fertilidade e a grandeza e limitações da vida. O teatro nasce em Atenas a partir dos cânticos aos deuses que acompanhavam um conjunto de danças. Estas manifestações evoluíram para um figura central que declamava uma história, mantendo-se as canções e as danças. 
A partir do século V a.C., as manifestações a Dionísio evoluíram e o teatro surge como uma manifestação cultural, com dimensão de celebração religiosa, mas também de formação cívica. As representações teatrais iniciavam-se na Primavera e realizavam-se após os rituais religiosos. As peças apresentadas eram escolhidas e selecionadas por alguns cidadãos. 

O teatro grego dependia de três condições: 
  • atores que falavam ou cantavam a partir de um texto e que podia estar em concordância ou não com um coro;
  • um elemento que introduzia um conflito na continuação da narrativa;
  • uma audiência que se envolvia com a ação, com o drama contado no palco.
Os autores das peças eram designados poetas, pois o texto era em verso e as palavras eram intercaladas na representação com música e dança. O teatro era uma forma de os gregos conhecerem o seu passado e de reconhecerem nas divindades e nos heróis da mitologia a sua própria memória histórica.  O teatro foi uma das grandes manifestações culturais da Civilização Grega e era sentido como algo muito importante no seu próprio tempo. Em Atenas chegava-se a emprestar dinheiro para os mais pobres poderem assistir às peças representadas.

A representação era feita em teatros construídos em espaços ao ar livre, onde o  enquadramento, a paisagem, a boa sonoridade das vozes e os recursos utilizados deveriam criar grandes sensações no público. Os atores representavam diferentes figuras, géneros, estados de espírito, pois só os homens podiam exercer essa função. As máscaras era outro elemento muito importante da representação. Eram construídas de um  modo que ampliava a voz e os efeitos sonoros, apesar de muitas vezes fosse dispensada, pois a qualidade do som nos teatros era muito boa.

As peças dividiam-se em dois géneros, a comédia e tragédia. Na comédia narravam-se sobretudo episódios do quotidiano. A comédia era sobretudo uma sátira de pessoas e situações  da vida social da pólis. Tinha com grande objetivo procurar que os espetadores se rissem e buscava um efeito moral do que era contado.  A introdução de excentricidades, de figuras metade pessoas, metade animais construía um ambiente de festa.

A tragédia narrava feitos mitológicos e aspetos da vida das divindades e do que lhes sucedia, como se de pessoas se tratassem. Nestas peças surgiam debates e situações de confronto entre o Bem  e o Mal, Deus e o Homem, o Dever e a Liberdade. Os valores e a conduta humana eram muito discutidos, pelo que era uma fonte de aprendizagem para os que assistiam a essas peças. Aristófanes na comédia e Ésquilo, Sófocles e Eurípedes na tragédia foram os grandes nomes do teatro grego. 

Os teatros gregos foram grandes construções da cultura grega e merecem um destaque pela sua diversidade e pelos seus aspetos mais característicos. Deixemos isso para a próxima publicação.
Imagem: Teatro do Epidauro,  IV a.C., desenhado por Policleto