A
poesia assombrava o espaço da mesa nesses locais de passagem em distantes
longitudes por onde escondemos tantas vezes deslumbramentos e mágoas à procura
de encher o tempo de aventuras. À mesa sentia-se uma brisa envolvendo a
melancolia das árvores em dias quase quentes. Dois homens falavam da grandeza
de políticos, da grande estratégia nacional de países relevantes.
A
Alemanha e a sua visão de futuro. Marginalmente com uma sabedoria de oráculos
vaticinavam ao Estado Social uma impossibilidade de um tempo já passado. Eles
ainda eram o futuro. Os refugiados. A aceitação deles no País do Kaiser e do
Führer eram o sinal da compreensão do seu sentido histórico. Eram dois
empreendedores. Homens de sucesso que constroem o mundo como uma promessa de
vontade e sabedoria.
Emily
Dickson continuava a resgatar palavras ao vento. Pareciam-me as mais
aconselhadas a seguir. Delas compunha-se nas encostas, o caminhar entre mares,
os caminhos do possível, como pétalas de rosa inclinadas em sussurros de brisa.
E tal como o ar se descose em flocos de neve quando as asas da aeronave se
inclinam no Atlântico norte, também os ouvi passar das certezas mais
voluntariosas à dúvida existencial. Um deles chorava como uma criança
abandonada, a inexistente vontade de assumir tarefas do quotidiano.
Vivia
só com uma filha ainda pequena e não sabia restaurar o seu próprio sentido da
vida. O smartphone, onde refugiava o olhar era tão vazio como o vento a rodar
sementes no alto das Highlands. O amigo aconselhava-o em pontos sequenciais da
vida, mas ele revelava-se incapaz de formalizar um sentido para esses
quotidianos. Tudo lhe parecia uma equação de abstracções. O tempo consumia-o de
formas circundantes de mágoa. Voltei ao poema e a Emily Dickson, à sua
liberdade narrativa, ao desgaste humano das instituições, aos que se abandonam
a si próprios, como os sapos no charco, embevecidos em adoração e ao mesmo
tempo, esses que banalizam os outros, a frágil segurança dos dogmas.
E
pensei, entre o azul do norte gelado de cinzento, como tantas certezas se
destroem no coração feito de abandonos, como em lágrimas suspensas se escondem
linhas esquecidas do rosto. e dessa negação dos outros, dos que não sabem ver,
dos que obstroem o caminho, a mais pura ignorância das águas, também se
acende um esquecimento que faz vibrar a
solidão. Porque não é possível ser-se solidário nas vãs certezas de vitórias de
charcos?
E
é nestes quotidianos isolados de rostos que não se vêem, que largas filas de
todos nós, esquecemos como cada olhar é uma possível eternidade. Somos sombras
à procura de algo que não encontramos, pois aquilo que nos quebra é
desconhecido. Cada um só se reconhece, enquanto fragilidade do que não
compreende, e em cada solidão, em cada corpo abandonado de fome e decência,
alguns apenas sabem vender a cor das suas montras de residual sucesso. Por isso
vivemos na indefinição de qualquer significado, as coisas não nomeadas. Eles
saíram para a zona de taxfree e da janela uma linha lilás entre as nuvens
acendiam as Highlands. A natureza é sempre um reconforto.
Imagem:
© Anja Buehrer