domingo, 31 de janeiro de 2016

Leituras - O Estrangeiro

Título: O Estrangeiro
Autor: Albert Camus
Edição: ..ª
Páginas: 96
Editor: Livros do Brasil
ISBN:
9789723829235
CDU: 821.133.131"19".3-1"19"



Sinopse: O Estrangeiro, primeiro livro de Albert Camus ficou como a sua obra de referência e um dos livros marcantes para reflectir sobre a sociedade contemporânea e em particular a do século XX. Publicado no tempo da 2ª guerra mundial daria a possibilidade de acesso ao Nobel da Literatura em 1957 a Albert Camus. Partindo do falecimento da mãe, situação que sempre na vida nos acaba por acontecer é gerada uma narrativa que levará  a personagem a contar-nos um conjunto de acontecimentos que o conduzirão a um processo de enfrentar a lei e a justiça. 

Narrado na primeira pessoa, vemos uma personagem de nome Meursault a contar a sua vida que se defronta com uma realidade sem sentido. A ideia de uma existência humana conduzida pelo absurdo, marcado pela ausência de uma demonstração afectiva de preocupação pelos outros conduziu a uma aproximação de Camus a Sartre. Todavia importa reconhecer que Camus não seguia as ideias do Existencialismo, mas procurava pensar o absurdo em que as vidas humanas se organizavam.

Colocado perante as questões do julgamento, Meursault não procura interpretar os seus actos, mas falar apenas o que pensa sem se preocupar com o resultado dessas afirmações. Os seus diálogos com o padre para uma procura de sentido moral são recusados e tudo configura  um não sentido da existência humana. Sem valores de referência Meursault dá-nos uma imagem de um niilista que é absorvido pela existência com profunda indiferença. A indiferença de Mersualt é a denúncia de quem não aceita os valores morais de uma sociedade. É no fim o abandono a que cada ser humano acaba por sentir perante regras morais que não compreendem essa verdade interior de cada um. 

Mersault é o protagonista, mas nós não sabemos se ele se afirma como um herói ou um anti-herói. As suas palavras não se albergam na razão ou num sentimento, apenas um sentido niilista de valor passivo. Na ausência de uma explicação existe apenas a descrição do que se vive, um desespero que procura encontrar uma verdade. E é essa procura pelo leitor, cujo significado não encontra que torna o livro tão fascinante. Numa paisagem quente, abrasiva de luz queremos compreender um estrangeiro e não conseguimos, queremos datar um processo de análise e não é possível, como não o é possível esquecê-lo. O Estrangeiro é em muitas configurações cada um de nós em trânsito num tempo absurdo de significado.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Marcelo Rebelo de Sousa ou a direita do costume


Sed omnia praeclara tam difficilia, quam rara sunt".
(Mas todas as coisas excelentes são tão difíceis como raras"  (Espinosa, Ética).

Sophia que perseguia uma condução ética da vida, a unidade do visível e o mistério das coisas disse um dia, em espaços cívicos de palavras pensadas e amadas que a política é um capítulo da moral. Escrevemos a palavra liberdade com pouca dignidade e ainda menor decência. A liberdade é a na sua essência a própria dignidade. É esse valor que nos dá uma dimensão humana e que prescinde desse critério de vida, factor de uma civilização de sombra que a direita sempre persegue, "o lixo do luxo". O bem como condutor dessa expressão de liberdade é estranho à direita. O seu pragmatismo ideológico não conhece essa raridade que Goethe exprimiu na sua expressão "nobreza de espírito".

Sem espaço para a dignidade humana a liberdade perdeu o seu significado, o sentimento transformou-se em objectivo. O eterno perdeu o seu simbolismo e tudo se constrói como se todos fôssemos iguais. A arte é o entretenimento da matéria, a relativa moral de cada um. A perseguição do lucro tudo justifica, mesmo que seja só para os burocratas de serviço. Cada um deve ser por si. O bem comum perdeu-se em guerras individuais em que tudo é permitido. Não se pergunta mais é justo, é aceitável.

Foi esta construção feita no País entre 2000 e 2015 por funcionários sem uma cultura humanista e meramente tecnocrática que sucessivos governos e instituições têm legitimado. Do sucesso econométrico construiu-se um caos que suporta todos os oportunismos, onde chicos-espertos vencem e onde o sofrimento alheio é irrelevante. Aníbal Cavaco Silva que despreza a memória e a história é um dos baluartes deste mundo para o qual ditou conselhos, sem nunca se comprometer com uma ideia sobre as pessoas. Sem consistência social formalizou com políticos um canibalismo económico que destruiu a maioria e consagrou o poder de uma minoria que concentra o poder político e económico.

Um País arrastado para o gosto fácil dos media, esvaziado da cultura e da identidade de um território separou gerações e deu o acesso a que uma plenitude de valores individualistas superassem no pior sentido o valor de uma comunidade. A escola serviu para construir uma política educativa técnica sem a formulação de uma educação de valores, nem preocupada para uma ética do outro, o bem comum. O fundamentalismo da escola privada com a construção de uma minoria de valores de ausência para com o outro criou essa distorção social, o meu grupo e os outros, os pobrezinhos de fim-de-semana.

O que o Pais é nas últimas duas décadas é o assombro regressado de séculos anteriores, "A democracia sem valor nem mérito, a omnipotência do dinheiro, o império de uma educação sem alma, inspirada por ministros de olhos numéricos e mente vazia, o esboroamento dos antigos valores humanistas europeus da generosidade, da honestidade e da espiritualidade (Real, 2015)". O País derrotado pelo Estado refugia-se em figuras, como protótipos do que não consegue ser. Cristiano Ronaldo, Joana Vasconcelos ou José Mourinho são a iconografia do País sem rosto.

Marcelo Rebelo de Sousa foi nos media o justificador deste País. Nunca construiu ideias de pensamento que não fosse esse alargamento do poder de uma minoria. Apesar dos monólogos nunca foi pedagógico, apenas mantendo os contornos deste caos, gracejando e virando-se para qualquer lado sem verdadeiro compromisso. A rábula da interrupção voluntária da gravidez feita por Ricardo Araújo Pereira ou a sua resposta que vota como qualquer um, num clube de futebol (Entrevistas, 2015) diz-nos tudo sobre esse tempo velho de apaziguar a maldade de sucessivos governos. Os seus monólogos foram apenas a forma de se conciliar tudo, mantendo as suas preferências de sempre - o seu clube ideológico.

Existe em Marcelo Rebelo de Sousa valores como a confiança e a imparcialidade, a independência ou os valores constitucionais? Todos sabemos que não. A sua eleição não é dependente das suas ideias, mas do vazio de palavras sem significado, como foram as de Aníbal Cavaco Silva. Os debates revelaram palavras de pura demagogia como dizer que outros "candidatos representam metade do País", quando ele é isso mesmo, apenas superado quando diz as graçolas em  televisão de programas descartáveis. A sua eleição é o aplauso de televisões, jornais e comentadores. Nestes actores nunca se viu a condenação da cultura dominante que cultiva a impunidade. O País em si, a resposta necessária para superar o caos reinante precisa de incentivos e respostas que não moram no professor de Direito. O País não precisa de políticos que só querem ser porreiros. Precisa de quem queira traçar um rumo com as pessoas.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Adormecer a noite



Goodbye love (...) 

There's a starman waiting in the sky 
Hed like to come and meet us 
But he thinks he'd blow our minds 
There's a starman waiting in the sky 
Hes told us not to blow it 
Cause he knows it's all worthwhile 
He told me: 
Let the children lose it 
Let the children use it 
Let all the children boogie (...)


David Bowie, Starman, (1972). Pareceu ontem e foi o início de um caminho, as palavras e os gestos para definir a possibilidade da diferença existir. Palavras e gestos para reunir o que podemos saber entre o momento sagrado e fascinante da vida e a efemeridade que o nada contempla. Thanks David! Take care! 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

No céu cinzento...

O céu anuncia-se cinzento,
a noite quase fria,
e entre gente que corre,
para um fim de ano,
olho as luzes do jardim,
candeeiros,
em caminhos de silêncio.
A oliveira decrépita,
alonga-se como um braço,
em flores de verde
para os espaços de céu aberto.
Os gansos alinham-se
sob o lago,
espreitando as sombras
onduladas da água.
As acácias
despidas de folhas,
são desenhos,
de geometria irregular,
linhas que se pronunciam ao cinzento,
formas paradas de tranquilidade,
uma oração de silêncio.
O vento saiu destes rostos
e todo o verde é uma catedral,
a perpétua forma do real,
o tempo de si.
Homens com metáforas
inclinam-se hoje
para a celebração de um novo ano,
a mais efémera forma de felicidade,
 o tempo abstracto das sombras,
o caminho de florestas esquecidas.
E foi,
em veredas de pirilampos,
com montes iluminados
que lembrei os teus olhos
vivos,
da pura luz do mar,
e as tuas mãos
doces, com as minhas,
nesse altar de verde,
Massarelos debruçado
e a cidade,
a maresia do azul.

(imagem - sobre as margens do Douro)