sexta-feira, 12 de julho de 2013

Adormecer a noite...

Solidão, o silêncio das estrelas, a ilusão
Eu pensei que tinha o mundo em minhas mãos
Como um deus e amanheço mortal
E assim, repetindo os mesmos erros, dói em mim
Ver que toda essa procura não tem fim
E o que é que eu procuro afinal?
Um sinal, uma porta pro infinito, o irreal
O que não pode ser dito, afinal
ser um homem em busca de mais, de mais...
Afinal, feito de estrelas que brilham em paz, em paz...
Solidão, o silêncio das estrelas, a ilusão
Eu pensei que tinha o mundo em minhas mãos
Como um deus e amanheço mortal
Um sinal, uma porta pro infinito, o irreal
O que não pode ser dito, afinal...
Ser um homem em busca de mais...


"O silêncio das estrelas" - Lenine

domingo, 7 de julho de 2013

Os da minha rua - Ondjaki

 "Como se tempo fosse um lugar"

José Saramago acreditava que a memória poderia reconstruir a infância e os passos mais belos do que vivemos e do que fomos em momentos em que de algum modo formamos o que nos pudermos vir a ser. A infância é um teritório, uma geografia particular, mas sempre um local com características únicas que é a de crescer entre um mundo de adultos que poucas vezes se compreende.

Ondjaki escreveu um livro que nos dá  essa memória dos dias mais belos, quando o tempo não existia e em que os milagres da fantasia enchiam o coração de possibilidades. Neste pequeno livro as palavras conseguem resgatar esses pontos cardeais, cujos aromas perfumam a infância. Nele descobrimos sempre como a fantasia, nas crianças é uma forma de responder ao segredos do crescimento, às desventuras de um real imenso. 

Ondjaki escreveu um livro da memória do crescimento em África, concretamente em Luanda, nos anos oitenta, quando a guerra fria colocava outras geografias nos trópicos. É um livro que pelo olhar de uma criança, nos devolve o que no Ocidente há muito perdemos, as ruas como espaços de socialização. A cidade é aqui ainda a personalização das  ruas como espaço de vida e aventura, e as relações humanas eram construídas mais no abraço, que na despedida. 

Um livro de grande valor humano para a descoberta que "uma casa está em muitos lugares, é uma coisa que se encontra". Livro sobre as geografias do encontro na infância, quando as palavras reiventam as memórias, entre o silêncio dos sorrisos e o brilho da fantasia. Mesmo sabendo que os unicórnios jamais voltam do tempo, ouvir os seus passos esquecidos é sempre um reconforto.

sábado, 6 de julho de 2013

Memória de um anjo...

Acreditamos demasiadas vezes que os que estão mais próximos, os que sentimos mais junto de nós, os que nos ensinaram que nada mais importante que contar histórias, onde a imaginação se liberta para falar com as árvores, com as aves, com as flores, estarão sempre presentes. Afinal ficarão as suas palavras, e mesmo quando são tão estimulantes, parece-nos ser pouco.

Matilde foi, é uma das mais importantes escritoras para a infância que se escreveu em língua portuguesa. Nestas alturas a biografia de um escritor são as suas palavras. Mesmo que perdendo a presença do olhar, do entusiasmo, da transpiração emotiva no encontro que tantas vezes fez em tantas bibliotecas. Ficam os seus títulos, as suas sílabas, onde tentou revelar pelas palavras essa sabedoria de lidar para os dias como uma possibilidade nova, onde o amor se entrega acima dos nossos dias sempre precários de futuro.

«Aurora esperou-me toda a tarde de domingo, na sua cama branca, de ferro.
Tinha posto uma fita vermelha a segurar os cabelos escuros. Esperava-me, esperava a minha visita, cuja promessa as companheiras lhe haviam transmitido.

Veio a família: mãe, pai, irmãos, amigos, as colegas.
– Estou à espera da professora…

No dia seguinte a doença foi mais poderosa que a sua juventude, a sua doçura, a sua esperança.
A cabeça escura, sem a fita vermelha, adormeceu-lhe profundamente na almofada, talvez incómoda, do hospital. Sabemos todos já, amigos, que há vida e morte. Também isso temos de aprender.

Não fiquem tristes por isso. Vejam como as flores nascem quase transparentes da terra, como as podemos olhar à luz do Sol, e morrem, para de novo nascerem.Lembrem-se como de um ovo de um pássaro podem sair asas que voem tão alto em dias de Primavera. E morrem, também, e todas as primaveras nascem de novo. E, sobretudo, lembrem-se do coração de cada um de nós, desta força imensa.

E não adiem os vossos gestos. Procurar alguém que sofra, que precise de nós, nem sequer é um gesto generoso, deve ser um gesto natural que se não adia. Às vezes até precisamos uns dos outros para dizermos que estamos felizes, contentes. Só para isso. Mesmo felizes precisamos dos outros.

Aurora ensinou-me para sempre esta verdade. As lágrimas que por ela chorei já não lhe deram aquela visita dopróximo domingoNem a mim a alegria de a encontrar sorrindo, cheia de doçura, com uma fita vermelha a prender os cabelos escuros. Vermelha de sangue, como a vida. O Sol. Flores vermelhas.

Aurora era o seu nome. E a sua vida uma manhã apenas que, na minha distracção ou egoísmo, não tive tempo de olhar. Uma manhã com uma fita vermelha. Que lágrima nenhuma pode reflectir.» (2)


Matilde Rosa Araújo
 in, Http://www.publico.pt; (2) http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercialmatilde.htm

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Adormecer a noite

"Last night me and Kate we laid in bed talking about getting out
Packing up our bags and maybe heading south
I'm 35, we got a boy of our own now
Last night I sat him up, behind the wheel
And said son take a goold look around
This is your hometown"


Bruce Springsteen - My Hometown


segunda-feira, 1 de julho de 2013

Adormecer a noite


Um dia partiu, aos raios de uma ano novo, já longínquo e nós perdemos, uma voz livre e bela que nos soube encantar com as suas melodias feitas de graça e intimidade. Foi imensamente simples e inquieta na procura de encontrar em diferentes linguagens, um espírito novo. Passou por este território que habitamos com os sons intensos e originais de uma aventura permanente. Foi um cometa que por aqui passou e a sua biografia é a das cores que nos encantou. Chama-se Lhasa de Sela e partiu levando a sua inspiração e o seu voo, deixando-nos muito mais sós. Para ouvir, sempre. 

Vincent

"Mais uma vez me deixei arrastar por uma busca das estrelas.." (Vincent)

Martin Gayford deu-nos um livro fascinante sobre o convívio de duas almas imensas que reformularam em caminhos novos a Arte Contemporânea. Em Arles, Gauguin e Van Gogh reconstruiram um sentido novo para o que os impressionistas vinham desenhando sobre o papel das novas vanguardas no último quartel do século XIX. O livro é também e muito isso, o desenho de uma figura muito especial Van Gogh.

O espelho nas formas e nos sonhos dessa procura pelo belo, pela cor redentora, capaz de exprimir a salvação do Homem. Todos nós, que o amamos vemos nos seus quadros, na sua vida, no seu sofrimento, as cores do que procuramos ser num mundo de sombras.

Poucos artistas, poucos homens tiveram o talento e a generosidade de tocar pela arte, pela ideia de um bem partilhado, os ideais eternos da Humanidade. Mais que o criador da Arte Contemporânea, Van Gogh, é um dos marcos da História, como processo de memória, na criação de ideias. As mais generosas. No declínio dos dogmas universais Van Gogh deu-nos com a sua cor explosiva a beleza de uma consciência moral pela arte.

Os sonhos


Tivesse eu os tecidos bordados dos céus,
Lavrados com o ouro e a prata da luz,
Os tecidos azuis e turvos e de breu
Da noite e da luz e da meia luz, 
Estenderia esses tecidos a teus pés;
Mas eu, que sou pobre,
Apenas tenho sonhos,
São os meus sonhos que estendi a teus pés
Sê suave a pisar
Que pisas os meus sonhos.

 W.B. Yeats, The Collected Poems