quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Adormecer a noite

Billie Holliday - All of me
 (das estrelas, para todas as noites nos encantar, com a sua rouca e doce voz).

No nascimento de Carlos Drummond de Andrade

A Hora do Cansaço

As coisas que amamos, 
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nós cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gosto ocre
na boca ou
 na mente, sei lá, talvez no ar.

Carlos Drummond de AndradeAntologia Poética, Assírio&Alvim
(No nascimento de Carlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

As Humanidades...

"Eu, por mim, devo sem dúvida, na medida das minhas forças, trabalhar, para que os meus concidadãos se tornem  mais instruídos, graças à minha atuação, estudo e obra" (1)

São palavras antigas, milenares sobre essa disciplina antiga que nos reporta o essencial da nossa dimensão, o amor, a morte e a justiça. Terreno da Filosofia, onde a cultura Grega com a sua explosão de conhecimento e dúvida erigiu um edifício que a tecnologia e os novos sábios dispensaram. Sem este espelho do passado, sem o seu conhecimento perde-se o contorno do horizonte, as ligações que tínhamos, ficando ausente da ideia essencial de continuidade. Este abandono das Humanidades revela-nos como perdemos o valor simbólico do que significa viver como sociedade.

Há ainda quem consiga destacar o pensamento clássico como algo muito importante a conhecer, a filosfia como disciplina essencial nestes dias esquecidos de dignidade e lembrar que a liberdade não é um conjunto de letras que se "gritam" em algumas ocasiões, mas uma massa crítica para exercer nos dias. As Humanidades permitem reforçar a Democracia.

Martha Nussbau, professora da Universidade Chicago foi a premiada do Prémio Príncipe das Astúrias 2012 e tem desenvolvido a sua acção na área do estudo do pensamento grego e da filosofia que orientou a construção do Humanismo ocidental. Em entrevista ao jornal ABC destacou algumas ideias essenciais. A riqueza de um país não pode ser só medido pelo produto interno bruto, mas também pelos índices de qualidade de vida, para as artes, para a cultura e para a família.

A Democracia e o seu primado do direito vem perdendo a sua referência na ideia, na razão e substituída pelo dinheiro. Sem direito a uma educação, não existem escolhas e não há liberdade. Apenas acede à cultura os que têm poder económico e por isso caminhamos para um novo totalitarismo, agora de componente económico. A Democracia corre sérios riscos pela desvirtualização com que a globalização assumiu um fundamentalismo de mercado. 

A Democracia e as sociedades precisam de retomar uma ideia, que Isócrates, no século I a. C defendia. A de uma educação liberal capaz de suportar um desenvolvimento humano que enfrente em alternativa o culto do poder e do dinheiro. Ideia que Anthony O' Hear desenvolveu no seu "Ler os Grandes Livros", como forma de estabelecer uma conversação, isto é compreender os suportes humanos da nossa civilização. É isso muito do que nos falta e que a professora Martha Nussbau, vem destacando nos seus trabalhos. Para conhecer melhor o seu trabalho na Filosofia, mas também no Direito e nos aspectos éticos do desenvolvimento económico, deixamos um link sobre alguns dos seus trabalhos. Aqui.

(1) Cícero, "De Finibus", citado de Maria Helena da Rocha Pereiradas Origens do Humanismo Ocidental, conferência (Porto - 1985)

domingo, 20 de outubro de 2013

Livros e leituras - O Século XX Esquecido

Título: O Século XX Esquecido - Lugares e Memórias
Autor: Tony Judt
Edição: 1ª
Páginas: 462
Editor: Edições 70
ISBN: 978-972-441-5420
CDU: 94(100)"19"(042)

«O que o passado pode realmente ajudar-nos a compreender é a complexidade das perguntas».(1)

Tony Judt foi um dos mais importantes historiadores do século XX. O Século XX Esquecido, livro premiado, que nos deu a possibilidade de repensar o tipo de sociedade que temos construído e que opções temos rejeitado como comunidade cívica. Há duas décadas que perdemos a possibilidade de construir um tempo social harmonioso e coerente com a liberdade e com o crescimento económico.

Alguns imaginaram o fim da História, num processo de conquista contínuo de liberdade, cidadania e desenvolvimento global. A História passaria a um artefato do tempo, arrumada nos museus da memória. A conquista de uma visão do mundo conquistaria serenamnete o futuro. Ideia que vendeu no campo político um mar de opções que nos trouxe a um presente, onde o valor das decisões é irrelevante, sobretudo nas responsabilidades.

A gestão política passou a ser  dominada por setores ideológicos, onde o valor do espaço público, se generalizou numa adjetivação sem valor. A ideologia sem memória e sem realidade. Dominada por "verdades" não demonstradas, o público passou a financiar o privado e a escolha pela segurança trouxe o capitalismo para uma organização política indiferente à participação dos cidadãos.  Temo-nos esquecido que os pressupostos de uma desvinculação à sociedade, mantida apenas por grupos fechados, foram o ponto de construção de sistemas totalitários no século XX. 

O Século XX Esquecido, é um livro fundamental para perceber porque aceitamos destruir redes de vínculo social e nacional, que estavam implícitos nos serviços públicos de transportes e comunicações. É um livro que permite compreender como não hesitamos em destruir a identidades de um território nacional, em empobrecer gerações de idosos, ao mesmo tempo que aceitamos a construção de redes de viiglância não controladas.

Com O Século XX Esquecido, percebemos porque caminhamos num tempo ausente de razão, aquele que era o fundamento das decisões compartilhadas e não só o poder absoluto, escondido em ideias dominadas por grupoos fechados. Aprendemos que a globalização económica não significa liberdade política, cidadania ou crescimento económico. Aprendemos o valor essencial da História como disciplina, para a formação equilibrada de um pensamento crítico. É essencialmente um livro para dar às ideias o seu papel transformador e de compreensão de como estamos a criar mitos indiferentes à memória e ao nosso património cultural e humano.


(1) Tony JudtO Século XX Esquecido, Edições 70

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

E: E. Cummings


"(...)
"Teu mais ligeiro olhar facilmente me revela
Embora eu já tenha me fechado, como dedos,
Abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
Tocando habilmente, misteriosamente sua primeira rosa (...)

Somente algo em mim entende
Que a voz dos teus olhos
É mais profunda do que todas as rosas.

Ninguém,
Nem mesmo a chuva
Tem mãos tão pequenas.»

(Nos cento e dezanove anos do nascimento de um dos poetas mais importantes da América do século XX, pela forma inovadora na forma e pelos valores modernos, muito ligados ao coração e à individualidade humanas.)


                            E. E. Cummings, «somewhere i have never travelled, gladly beyond»
                                                            in poetryfoundation.org 

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Livros e leituras - Histórias da Terra e do Mar

"(...) quem do quarto central avança para a varanda e vê, de frente, a praia, o céu, a areia, a luz e o ar reconhece que nada ali é acaso mas sim fundamento, que este é um lugar de exaltação e espanto, onde o real emerge e mostra seu rosto e sua evidência.

Pelo gesto de dobrar o pescoço e de sacudir as crinas, as quatro fileiras de ondas, correndo para a praia, lembram fileiras brancas de cavalos, que, no contínuo avançar, contam e medem o seu arfar interior de tempestade. O tombar da rebentação povoa o espaço de exultação e clamor. No subir e descer da vaga, o universo ordena seu tumulto e seu sorriso e, ao longo das areias luzidias, maresias e brumas sobem, como um incenso de celebração.

E tudo parece intacto e total, como se ali fosse o lugar que preserva em si a força nua do primeiro dia criado."

Sophia, "A cada do Mar", pág. 13
(Ler as suas palavras continuamente , na praia de Sophia, de frente com o mar azul é sempre uma experiência nova, para renascer em novas possibilidades).