Carson
McCullers escreveu nos anos quarenta um livro que retrata todo o
desapontamento, toda a angústia de universos inteiros que choram e lutam por
uma vida digna. Construído sob a atmosfera social e económica da América
sulista dos primeiros anos do século XX, O coração é um conquistador solitário
é um libelo sobre as injustiças sociais, sobre uma forma sem brilho, que
demasiadas vezes pessoas vivem, nesse desconforto que são vidas sem futuro.
Um conjunto de personagens desfilam desejos,
esforços, caminhos sem futuro, numa ideia de indefinição das suas vidas, de
algo concretizável, a que não chegam, embora tudo deem para serem amados e
compreendidos, tentando o emprego, o sonho, a amizade, a integração num meio, a
sociabilidade que dê sentido às suas vidas.
Singer e Antonopoulos, dois surdos-mudos que
se tentam organizar numa forma de vida, do mais simples possível, da coerência
de algum sentido às suas existências, da amizade capaz de construir um
quotidiano de significado. A comunidade, os outros, onde todos os gestos não
fazem sentido, quando não partilhamos um sentido de pertença. Biff, Jake Blount
e o médico negro, Drº Copeland, a luta por uma vida acima das dificuldades da
sobrevivência, os gestos antigos por uma luta de direitos e de dignidade
humana.
Mick, o sonho interior, a imaginação dentro
da cabeça, a que supera todo o real adverso e insensato. Willie e Portia, entre
os caminhos de uma sociedade sem justiça, a alienação moral da comunidade negra
e a família ainda e o que pode ser neste mundo de fome e dívidas
contínuas. O coração é um conquistador
solitário é um livro sobre a natureza humana, os bloqueios do obscurantismo que
se propaga como uma doença. A doença da civilização, onde ficamos sozinhos em
cada respiração, em cada sonho.
Escrito apenas com vinte e três anos por
Carson McCullers, The heart is a lonely hunter, ou o coração é um conquistador
solitário é dos marcos da literatura do século XX. Carson McCullers, a sua
obra, a sua vida é o mundo e aquilo que não se compreende e são as pessoas,
todos aquelas que pisam territórios de fim do mundo, onde a timidez, o pudor
impede os sonhos mais básicos, os mais simples de um fazer humano. As suas
palavras são o quadro de um isolamento das pessoas dentro de si, com os outros
e toda a intolerância moral que negros e mulheres sofreram numa América sem
fim. As suas palavras maiores ficaram em quatro livros, O coração é um
conquistador solitário, A balada do café triste, Relógio sem ponteiros e
Reflexos nuns olhos de ouro, entre contos e outras narrativas. As suas palavras
são um retrato de seres abandonados, mas são mais do que isso, são o espírito
livre que se preza de narrar injustiças e com elas encontrar qualquer outra
palavra, qualquer coração que possa construir uma luz, ainda que noutra cidade,
ainda que noutro país.