sábado, 18 de abril de 2015

Estrela cintinlante

"...faço também parte de uma geração que, na Europa, na América, e noutras partes do mundo, quis levar a ciência para a rua, levar a experimentação para a escola, trazer a argumentação científica para dentro dos debates de sociedade e para a decisão política democrática. " (Análise social, 2011)
José Mariano Gago, foi um exemplo. É um exemplo se quisermos ser mais que o plástico formativo dos media sem cor, ou dos comentadores, pensadores das trombetas do poder. José Mariano Gago foi um cientista que nos deu a ciência como suporte de formação no nosso quotidiano, o das escolas e o das pessoas. 

José Mariano Gago foi um ser humano acima destas pequenas palavras, que desbravou formas de estimular a Ciência como forma de conhecer o mundo e as pessoas. Nessa atitude de desbravamento ousou criar possibilidades entre as  barreiras dos pequenos espíritos.

José Mariano Gago é uma daquelas raras pessoas que a "política" tem nos milénios de distância, feitas de decência, que são raras neste País, inexistente. José Mariano Gago estudava a ciência como forma de todos podermos participar como comunidade. José Mariano Gago superou em galáxias de distância os pobres políticos atuais, servidos na comodidade da mentira e da institucional incompetência. 

José Mariano Gago foi o canto de cisne de uma decência democrática perdida nas mentiras de ministros e de gabinetes sem ética. Ele foi um exemplo do que poderíamos ser, se percebêssemos o valor da educação e do conhecimento para construir futuros. Foi, como disse o Miguel Esteves Cardoso, um herói, um homem bom. Um cientista que chegou à governação para dar um contributo positivo à ciência e foi por isso um benfeitor. A política neste País não é servida por exemplos destes. Vejamos nele alguém que nos ensinou o essencial. "Pobres de nós", servidos como estamos pela indignidade mais baixa, julgada democrática. 

Obrigado José. Aguardemos e lutemos para que  intervalos intermitentes, o teu espírito desça a vontades dignas de uma comunidade que se sabe pensar e existir em decência.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Leituras - O coração é um conquistador solitário

"Aproximou-se ainda mais do mudo e baixou a voz, num sussurro embriagado: - E porque será? Porque é que persiste este milagre da ignorância? Por causa de uma única coisa: conspiração. Uma conspiração pérfida e imensa. O obscurantismo."

Carson McCullers escreveu nos anos quarenta um livro que retrata todo o desapontamento, toda a angústia de universos inteiros que choram e lutam por uma vida digna. Construído sob a atmosfera social e económica da América sulista dos primeiros anos do século XX, O coração é um conquistador solitário é um libelo sobre as injustiças sociais, sobre uma forma sem brilho, que demasiadas vezes pessoas vivem, nesse desconforto que são vidas sem futuro.

Um conjunto de personagens desfilam desejos, esforços, caminhos sem futuro, numa ideia de indefinição das suas vidas, de algo concretizável, a que não chegam, embora tudo dêem para serem amados e compreendidos, tentando o emprego, o sonho, a amizade, a integração num meio, a sociabilidade que dê sentido às suas vidas.

Singer e Antonopoulos, dois surdos-mudos que se tentam organizar numa forma de vida, do mais simples possível, da coerência de algum sentido às suas existências, da amizade capaz de construir um quotidiano de significado. A comunidade, os outros, onde todos os gestos não fazem sentido, quando não partilhamos um sentido de pertença. Biff, Jake Blount e o médico negro, Drº Copeland, a luta por uma vida acima das dificuldades da sobrevivência, os gestos antigos por uma luta de direitos e de dignidade humana. 

Mick, o sonho interior, a imaginação dentro da cabeça, a que supera todo o real adverso e insensato. Willie e Portia, entre os caminhos de uma sociedade sem justiça, a alienação moral da comunidade negra e a família ainda e o que pode ser neste mundo de fome e dívidas contínuas.  O coração é um conquistador solitário é um livro sobre a natureza humana, os bloqueios do obscurantismo que se propaga como uma doença. A doença da civilização, onde ficamos sozinhos em cada respiração, em cada sonho.