“(…) e se pude dar um sentido à minha existência, isso só foi possível através de uma inversão e uma introversão radicais, pela despedida de tudo o que conhecia até então, através de uma tentativa de me colocar entre os anjos.” (pág. 113)
Os primeiros anos do
século XX edificaram o fim de um tempo, que tinha sido uma sociedade, que em
muitos aspetos ainda procurava um sentido de harmonia, onde as possibilidades e
os sonhos ainda tinham lugar. A incerteza e a dúvida, a degradação da vida
humana, a anarquia e o caos nasceram amplamente no século XX, nas vésperas dos
anos vinte de novecentos.
A arte de viver, a valorização do belo, a sensatez e a nobreza de espírito foram sendo valores em queda, princípios que o século XIX tinha vivido, na sua própria memória. Com o novo século algo se rompe e o mundo que se vê nascer é de um horror pela violência industrial, com que as guerras introduziram a morte e a degradação da vida humana.
As democracias iniciadas em diferentes locais
da Europa sob a forma de repúblicas constitucionais tinham em si dificuldades
de organização que tornaram muito difícil responder às contradições da
industrialização emersas entre as novas ideias socialistas, a pobreza do
operariado e o enriquecimento de uma burguesia ascende em poder económico e
político.
O Último Verão de Klingsor é uma de Herman Hesse, datado de 1920 e é um livro com muitos elementos autobiográficos, pois ele responde como um retrato desse mundo perdido, logo no início da segunda década do século XX, é o testemunho da perda dessa paisagem e ao mesmo tempo enuncia uma das formas possíveis de sobreviver a esse caos. História de um pintor e da sua procura por algo que possa permanecer, ou tão só na capacidade de entender o efémero, O Último Verão em Klingsor é uma visita a uma lembrança, a de um Verão concreto que busca no natural, ainda uma forma de libertação para criação de algo novo, diverso que libertasse o coração dos desastres vividos com o conflito de 1914-1918.
A perda desse tempo e o regresso a uma sociedade já com outras pessoas, com outra geração enunciava essa dificuldade de encontrar um sentido para o mundo, tal como tinha sido conhecido. A intranquilidade e a relatividade do tempo tornavam difíceis recuperar valores antigos, como um certo sentido aristocrático da vida, ou a procura de novas formas do belo atirou essa geração para uma dificuldade de integração nesse novo mundo formalizado em caos e indiferença. O que Herman Hesse nos dá com este livro é a tentativa de realizar essa viagem e construir algo novo. A capa escolhida para esta edição, justamente os campos dourados de Vincent Van-Gogh expressam bem essa necessidade de viver entre um mundo desajustado de valores e ingrato para o Homem, para a sua liberdade criativa, enquanto ser individual.
O Último Verão de Klingsor / Herman Hesse. Lisboa: D. Quixote, 2020.