sábado, 14 de julho de 2018

Leituras - A rapariga que lia no metro

"O amontoado de livros tornara-se uma presença amiga, uma sorte de edredão macio onde gostava de se instalar confortavelmente. Julgava até, depois de ter fechado a porta envidraçada atrás de si, ouvir uma espécie de gorjeio, ou melhor, uma vibração que se libertava das páginas, chamando-a. O chamamento era mais forte deste lado - não, daquele outro. Vinha da lareira obturada ou então do recanto escuro por detrás do escano. Então, aproximava, com precaução, a mão estendida para acariciar as lombadas cartonadas ou revestidas de couro gasto. Depois, imobilizava-se. Era ali. Era aquele.

A rapariga que lia no comboio, de Christine Féret-Fleury é uma apaixonante viagem pelo universo da leitura, do livro, feita como uma experiência alucinante por figuras fixas no borderline da vida. Leitura fascinante sobre as próprias possibilidades do livro, como objecto de aproximação ao real e à relação com os outros. A rapariga que lia no metro propõe-nos com os livros uma viagem tão excitante como a que nos oferece Alice no país das maravilhas, no que tem de imprevisível e de descoberta. Viagem feita de lugares, de pessoas e de experiências que se organizam em torno do livro e da leitura.

Quando conhecemos Juliette sentimos com ela a energia de uma descoberta, uma vontade de caminhar com ela nos espaços da sua aventura, nas suas interrogações, entre o desconhecido e a paixão entusiasmada pelos livros. É ela que nos conduz a uma casa no fim de uma rua quase desconhecida, onde encontramos personagens de um quase sonho. Soliman, Leónidas e Zaide são figuras que vivem entre uma aproximação à realidade e um permanente sonho feito de literatura, esperança e ternura.

Na tentativa de superar a rotina e um emprego medíocre, Juliette sonha quotidianamente na observação dos passageiros de uma linha de metro de Paris. Nessa observação dedica-se sobretudo aos que lêem, tentando nisso adivinhar qualquer sopro capaz de a iluminar a ela própria. Nessas viagens, como em Alice no país das maravilhas, Juliette  encontrará um local onde descobrirá personagens aqui conduzidas pelo amor aos livros e por uma ideia de oferta aos outros através das palavras.

No encontro alucinante com Soliman, ou Leónidas, Juliette encontrará uma forma de dar expressão, de encontrar o leitor para um livro, aquele capaz de responder às suas necessidades. Na imensidão do mundo, nos instantes eternos de encontro com o belo, Juliette dará forma a essa entrega, a essa dádiva com os outros que será materializada no Yellow Submarine. No fundo,  as palavras para dar voz à memória, nessa caminhada sem fim que é o tempo. A rapariga que lia no metro é um livro fascinante, com a bondade de colorir a melancolia, uma iluminação em tempos de um apagado romantismo.

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