domingo, 7 de maio de 2017

O País das aparências

A Democracia precisa de uma contínua forma de esclarecimento, de denúncia da mediocridade que esconde o pensamento ideológico feito da aparência com que alguns querem impor a sua realidade. Tempos houve em que se pensou que a informação era a ferramenta condutora de um esclarecimento da sociedade e nesse sentido um instrumento de transformação social e cultural. Bastava pois ter os meios que a função de cidadania seria incentivada. 

A edição do jornal Expresso de 06.05.17 e as declarações de Rui Moreira num evento social revela-nos a aparência com que a informação é dada nos circuitos de media, a aparência acrítica da realidade. Miguel Sousa Tavares numa linguagem dominada por imensa animosidade, para não lhe dar outro nome, faz aquilo em que os comentadores são hábeis, o seu portefólio de ideias, onde se adivinham palavras ouvidas noutros espaços. Às vezes superam-se. Foi o caso. As ideias surgiram num tom pouco amistoso sobre o que já sabemos. A Função Pública é formada por um monte de preguiçosos, com férias constantes, o investimento no emprego de precários um desperdício luxoso de recursos, a extrema esquerda e direita caminham para valores idênticos e aos mortos não é devido nenhum reconhecimento.

Todo o seu discurso é uma argumentação maniqueísta que não reconhece a diversidade conjuntural, nem o diferente papel que diferentes grupos podem ter na sociedade. O texto não é um comentário sobre a realidade, é uma opção ideológica. É um direito seu, embora nada explique sobre as diferentes arestas de uma sociedade. O jornal Público também já tem esta vertente em que se adivinham as palavras sábias de comentadores. O Expresso parece querer lá chegar. Sendo legítimo nada tem a ver com informação.

No caderno principal do conhecido semanário, na penúltima página, um think thank despreza a legítima vontade dos cidadãos querem proteger a costa portuguesa, com um artigo de linguagem arrogante, cujo título denuncia uma vez mais uma ideia maniqueísta sobre os outros, Com o título, "... é a economia, estúpido!", é um panfleto pelo comérico do petróleo e do gaz que possa existir na costa portuguesa e revela como os direitos dos cidadãos devem estar hipotecados aos interesses económicos de grupos económicos. Esta será mais uma história de sucesso, dos "espertos", nessa longa epopeia da história da energia que na EDP tem servido a epifania nacional.

Na luta essencial para revelar as aparências do discurso, Rui Moreira deu um contributo de gigante. Afirmações de excepcional cidadania, "de que poderemos voltar a ter uma ditadura", ou "que o 28 de Maio de 1926 foi aceite por todo o povo", revela-nos um discurso feito de um desconhecimento da história e a sua utilização em contextos que só se podem relacionar com uma ideia ideológica.

A candidatura do autarca há quatro anos à Câmara Municipal do Porto foi uma lufada de ar fresco e quase nos fez acreditar que a cidadania por ser cumprida na gestão pública, como uma possibilidade das pessoas. A sua candidatura fez-nos  ter a esperança que cidadãos independentes podiam chegar sem lógicas partidárias a lugares importantes da gestão da sociedade. Rui Moreira esqueceu-se de várias coisas essenciais.

Esqueceu-se que é o Porto que lhe dá dimensão, que é ele que lhe permite construir uma ideia aberta e participada da cidade. Acabou, infelizemente, por cair naquilo que os políticos lusos são mestres, a utilização do poder para a sua própria imagem, o eu que supera qualquer conjunto. Estes três casos dão conta dessa ideia de "iluminação" sobre os outros que nada vêem. A independência de pensamento é tão rara em Portugal, como a água no deserto. Não é por acaso que vivemos na amnésia, a incapaz forma de reflectir sobre a realidade. Todos os dias os media são este show de cidadania. História à sombra da ideologia, o particular como visão do geral, a arrogante esquecimento pelas pessoas, um coração sem respiração.

Imagem - Copyright - Milene Seita

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