quinta-feira, 13 de abril de 2017

O belo

"O que é belo há de ser eternamente uma alegria, e há de seguir presente.  Nãp morre; onde quer que a vida breve nos leve, há de nos dar um sono leve, cheio de sonhos e de calmo alento." (1)

O belo é umas das áreas em que a Estética, como disciplina tentou definir um conjunto de conceitos evolutivos relacionando as ideias, a cultura, o social e a representação de formas diversas pela expressão artística. A Estética foi já lida de muitos modos e talvez a mais interessante seja aquela que nos diz que ela é uma forma sensível de conhecer, algo como uma alternativa à razão. Os objectos estéticos criam em nós formas de sentir. É consensual que o belo se associa muitas vezes ao que agrada, ao que dá uma satisfação capaz de um entusiasmo. O belo tem si as suas próprias formas de beleza, ou somos nós como observadores a construir um conceito?

Quando entramos numa igreja românica, ou numa catedral gótica, ou num templo budista a beleza emerge como uma realidade. Esses são espaços de beleza. A primeira pergunta a fazer é por que chamamos belos a esses espaços e por que os espaços de oração e recolhimento são portadores de uma ideia de Beleza? A segunda questão pertinente é a de reconhecer que ul livro como a Bíblia está ausente da formulação de belo. A única aparição da ideia de belo refere-se ao reino de Salomão e a sua comparação com os lírios do campo. A única referência de belo nas Escrituras Sagradas é uma referência natural e relativo a uma dimensão espontânea. Terceira questão que importa fazer, há algo de imutável no belo, há nele algo de permanente?

Quando pensamos em belo vem-nos à mente que ele como tudo o que envolve a vida humana é relativa aos tempos sociais e culturais. O que hoje achamos belo amanhã muda de sentido, pois os códigos de beleza alteram-se. E, no entanto ao olharmos para a Vénus de Milo, ou o Discóbolo de Mirone, expressões de séculos encontramos ainda ali um ideal de belo, uma representação que achamos bonito, tal como o podemos ver num retrato de Vermeer ou numa natureza de Monet. Encontramos aí uma representação substantiva de belo, ainda que saibamos que essa aquisição do belo se fez pelos valores sensoriais, algo que acedemos de uma forma diversa quando tentamos definir o Bem ou a Verdade.

Quando falamos do belo como experiência sensorial perguntamo-nos como essa aquisição se faz em cada um de nós. É pela educação, ou apenas por algo que cada um de nós pode ou não ter incentivado como uma procura. As crianças são um exemplo muito significativo, dessa forma de encontrar um modo de comunicação, como se essa observação fosse um diálogo entre nós e a arte, como entre cada um de nós e outra pessoa, ou com a simples observação de uma paisagem, da leitura de um livro, algo a que poderíamos chamar uma Graça. O belo que se apresenta como alago que está para lá da compreensão.
João Bénard da Costa (2) contava uma história interessante, a de que uma criança ao ler excertos dos Lusíadas dizia, "Eu não percebo nada disto, mas isto é tão bonito". E talvez que em muitas circunstâncias o belo seja não só o que ultrapassa a compreensão, ou que está para além dela, mas que o encontro com algo de maravilhoso seja a incompreensão. A visita a um templo oriental, como o templo dourado em Kyoto provoca um sentido diferente de percepção do espiritual, mas ainda assim achamo-lo belo. E, todavia compreendemos a sua funcionalidade?

Não a percebemos e talvez seja isso que o belo seja, o que não se percebe tão bem, ou se percebe menos e, justamente porque a compreensão é do nível do mistério. Podemos visitar o Epidauro, conhecer as características técnicas daquele espaço, mas a transcendência pode não nos contemplar. E assim o que fazemos é o estudo da Estética, em que relacionamos a a representação do belo com as ideias filosóficas de um tempo. E aqui temos muitas possibilidades.

Desde os Gregos que a ideia de belo evoluiu. A sabedoria foi a primeira forma de belo, foi nas palavras dos poetas que ela primeiro se definiu, com o que conhecemos da obra de Homero e Hesíodo. O belo relaciona-se com essa dimensão essencial de todos, a vida ainda. Como a podemos alimentar? Com que palavras? Com que sabedoria habitaremos a vida e a sua essência, o seu coração? Como a entendemos entre uma ideia secular de destino, um grito de ar, de visão entre momentos escassos, esse nada que varia entre promessas e nenhuma crença, apenas um fio de escuro. Parece pois essencial ter algum pensamento, descobrir nela uma sabedoria para a construir, para a edificar. A palavra sabedoria conduz-nos à ideia de uma aprendizagem.

Sophia criou sem dúvida uma ideia de belo que retomava valores clássicos, mas que os afirmava em novos tempos. Fazia a ligação entre o Belo e o Bem. Com ela a experiência estética transforma-se numa experiência ética e deu-nos essas palavras essenciais a da relação justa entre as coisas e os homens. É dessa construção de um valor inteligível da vida, a que o belo se encontra associado. É dessa viagem desde os Gregos aos inícios da modernidade que aqui falaremos em curtos posts.

(1) Kohn Keats. (1841). "Endymion", in The poetical works of John Keats. London: William Smith.
(2) João Benard da Costa, Ciclo de conferências "Ecce Homo", Lisboa, Maio de 2007.
Imagem - Pavilhão prateado, (Ginkaku-ji) - Kyoto, (séc. XV).

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