segunda-feira, 10 de abril de 2017

Maria Helena da Rocha Pereira (In Memoriam)

"A marginalização e desprezo pelo estudo das línguas clássicas é um sintoma de ignorância. O grego é, para mim a mais bela das línguas. É muito afim da matemática. É uma língua de uma grande riqueza. Há na estrutura da língua qualquer coisa de geométrico que a aproxima da matemática. O latim é essencial para o estudo das línguas românicas em geral. Não só por por contribuir para diminuírem os erros e as as barbaridades cometidas no uso da língua, mas sobretudo pelo que o latim significa, tal como o grego, de disciplina do espírito, do pensamento."

Deixa-nos hoje, um pouco mais de noventa anos depois, na mesma cidade onde nasceu, o Porto e de onde partiu para Coimbra para estudar Filologia Clássica. Da cidade do Mondego partiria para Oxford, abraçaria as colunas da Acrópole e de várias voltas ao mundo fixar-se-ia, como professora de Estudos de Cultura Clássica, tendo-se tornado a primeira mulher catedrática, justamente pela Universidade de Coimbra, em 1957. 

As linhas de uma mensagem são insuficientes para dar conta do valor humano e cultural de uma mulher portadora de um conhecimento tão elevado e que deu um contributo essencial para o conhecimento da cultura e da língua gregas e igualmente dos estudos clássicos. O currículo é interminável. Foi directora do Instituto de Arqueologia da Universidade de Coimbra e do Instituto de Estudos Clássicos da mesma Universidade e ainda directora das revistas Humanitas e Biblos.

Maria Helena da Rocha Pereira pertenceu a diferentes academias e sociedades científicas, quer nacionais, quer internacionais. Foi vice-reitora da Universidade de Coimbra e presidente do Conselho Científico da Faculdade de Letras. Foi distinguida com a Grã Cruz da Ordem de Santiago de Espada, recebeu numerosas distinções, entre as quais o prémio Ensaio do Pen Clube Português, Grande Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores, Prémio Eduardo Lourenço e Prémio Jacinto Prado Coelho.

A sua obra composta por mais de trezentos títulos, contém monografias, artigos de enciclopédias e traduções. A sua obra mais conhecida Estudos de História da Cultura Clássica funcionou como um clássico para as licenciaturas na área da Literatura e da História. Publicou ainda algumas obras sobre autores clássicos, com destaque para Platão, Anacreonte, Píndaro e Pausânias. Dedicou uma especial atenção à cerâmica grega, tendo publicado textos sobre os vasos gregos encontrados em Portugal. 

Maria Helena da Rocha Pereira parte um pouco como viveu, com um silêncio que emerge ele próprio em formas modestas, mas de profunda agucidade sobre o que escreveu e ensinou. Maria Helena da Rocha Pereira era um sábio, diríamos uma sábia e nesse sentido mesmo quando entendemos a vida como uma metamorfose noutra coisa, é uma perda enorme por tudo o que sabia e tentou ensinar. Não se achava uma mestra, pois ela não considerava que o sábio fosse o ilustre conhecedor numa torre de marfim, mas sim aquele que cria discípulos.

Certamente teve algum desgosto por esta ignorância que tem um desprezo pelos estudos clássicos que se assiste no ensino em geral. Esta perda que se ausenta de uma leitura do Belo entre a Literatura e os objectos arqueológicos. Esta ideia de que o tecnológico é o meio de nos fazer felizes e perduráveis e que não estuda o helenismo no seio da nossa cultura, ou que abdica do latim a quem estuda o Direito.

A ela devemos agradecer, muito, tanto que nos ensinou. O acesso aos autores clássicos, as formas da arte grega, a ideia de que é muito importante aprender e usar bem uma língua e essa ideia que pedagogos de precária formação pretendem fazer esquecer, o valor da memória. A memória como o definiu George Steiner, afirmar uma primeira resposta e aceder a essa nomeação feita pelos poetas antigos, a mãe das Musas. Como ela disse, usar a Memória é iniciar a construção de um edifício. A Maria Helena Rocha Pereira devemos essa ideia transformadora, a da procura infinita de saber, de conhecer. Obrigado por tantas linhas de rumo!

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