sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Numa distante mesa de café


A poesia assombrava o espaço da mesa nesses locais de passagem em distantes longitudes por onde escondemos tantas vezes deslumbramentos e mágoas à procura de encher o tempo de aventuras. À mesa sentia-se uma brisa envolvendo a melancolia das árvores em dias quase quentes. Dois homens falavam da grandeza de políticos, da grande estratégia nacional de países relevantes. 
A Alemanha e a sua visão de futuro. Marginalmente com uma sabedoria de oráculos vaticinavam ao Estado Social uma impossibilidade de um tempo já passado. Eles ainda eram o futuro. Os refugiados. A aceitação deles no País do Kaiser e do Führer eram o sinal da compreensão do seu sentido histórico. Eram dois empreendedores. Homens de sucesso que constroem o mundo como uma promessa de vontade e sabedoria.
Emily Dickson continuava a resgatar palavras ao vento. Pareciam-me as mais aconselhadas a seguir. Delas compunha-se nas encostas, o caminhar entre mares, os caminhos do possível, como pétalas de rosa inclinadas em sussurros de brisa. E tal como o ar se descose em flocos de neve quando as asas da aeronave se inclinam no Atlântico norte, também os ouvi passar das certezas mais voluntariosas à dúvida existencial. Um deles chorava como uma criança abandonada, a inexistente vontade de assumir tarefas do quotidiano.
Vivia só com uma filha ainda pequena e não sabia restaurar o seu próprio sentido da vida. O smartphone, onde refugiava o olhar era tão vazio como o vento a rodar sementes no alto das Highlands. O amigo aconselhava-o em pontos sequenciais da vida, mas ele revelava-se incapaz de formalizar um sentido para esses quotidianos. Tudo lhe parecia uma equação de abstracções. O tempo consumia-o de formas circundantes de mágoa. Voltei ao poema e a Emily Dickson, à sua liberdade narrativa, ao desgaste humano das instituições, aos que se abandonam a si próprios, como os sapos no charco, embevecidos em adoração e ao mesmo tempo, esses que banalizam os outros, a frágil segurança dos dogmas.
E pensei, entre o azul do norte gelado de cinzento, como tantas certezas se destroem no coração feito de abandonos, como em lágrimas suspensas se escondem linhas esquecidas do rosto. e dessa negação dos outros, dos que não sabem ver, dos que obstroem o caminho, a mais pura ignorância das águas, também se acende  um esquecimento que faz vibrar a solidão. Porque não é possível ser-se solidário nas vãs certezas de vitórias de charcos?
E é nestes quotidianos isolados de rostos que não se vêem, que largas filas de todos nós, esquecemos como cada olhar é uma possível eternidade. Somos sombras à procura de algo que não encontramos, pois aquilo que nos quebra é desconhecido. Cada um só se reconhece, enquanto fragilidade do que não compreende, e em cada solidão, em cada corpo abandonado de fome e decência, alguns apenas sabem vender a cor das suas montras de residual sucesso. Por isso vivemos na indefinição de qualquer significado, as coisas não nomeadas. Eles saíram para a zona de taxfree e da janela uma linha lilás entre as nuvens acendiam as Highlands. A natureza é sempre um reconforto. 
Imagem: © Anja Buehrer

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