quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Marcelo Rebelo de Sousa ou a direita do costume


Sed omnia praeclara tam difficilia, quam rara sunt".
(Mas todas as coisas excelentes são tão difíceis como raras"  (Espinosa, Ética).

Sophia que perseguia uma condução ética da vida, a unidade do visível e o mistério das coisas disse um dia, em espaços cívicos de palavras pensadas e amadas que a política é um capítulo da moral. Escrevemos a palavra liberdade com pouca dignidade e ainda menor decência. A liberdade é a na sua essência a própria dignidade. É esse valor que nos dá uma dimensão humana e que prescinde desse critério de vida, factor de uma civilização de sombra que a direita sempre persegue, "o lixo do luxo". O bem como condutor dessa expressão de liberdade é estranho à direita. O seu pragmatismo ideológico não conhece essa raridade que Goethe exprimiu na sua expressão "nobreza de espírito".

Sem espaço para a dignidade humana a liberdade perdeu o seu significado, o sentimento transformou-se em objectivo. O eterno perdeu o seu simbolismo e tudo se constrói como se todos fôssemos iguais. A arte é o entretenimento da matéria, a relativa moral de cada um. A perseguição do lucro tudo justifica, mesmo que seja só para os burocratas de serviço. Cada um deve ser por si. O bem comum perdeu-se em guerras individuais em que tudo é permitido. Não se pergunta mais é justo, é aceitável.

Foi esta construção feita no País entre 2000 e 2015 por funcionários sem uma cultura humanista e meramente tecnocrática que sucessivos governos e instituições têm legitimado. Do sucesso econométrico construiu-se um caos que suporta todos os oportunismos, onde chicos-espertos vencem e onde o sofrimento alheio é irrelevante. Aníbal Cavaco Silva que despreza a memória e a história é um dos baluartes deste mundo para o qual ditou conselhos, sem nunca se comprometer com uma ideia sobre as pessoas. Sem consistência social formalizou com políticos um canibalismo económico que destruiu a maioria e consagrou o poder de uma minoria que concentra o poder político e económico.

Um País arrastado para o gosto fácil dos media, esvaziado da cultura e da identidade de um território separou gerações e deu o acesso a que uma plenitude de valores individualistas superassem no pior sentido o valor de uma comunidade. A escola serviu para construir uma política educativa técnica sem a formulação de uma educação de valores, nem preocupada para uma ética do outro, o bem comum. O fundamentalismo da escola privada com a construção de uma minoria de valores de ausência para com o outro criou essa distorção social, o meu grupo e os outros, os pobrezinhos de fim-de-semana.

O que o Pais é nas últimas duas décadas é o assombro regressado de séculos anteriores, "A democracia sem valor nem mérito, a omnipotência do dinheiro, o império de uma educação sem alma, inspirada por ministros de olhos numéricos e mente vazia, o esboroamento dos antigos valores humanistas europeus da generosidade, da honestidade e da espiritualidade (Real, 2015)". O País derrotado pelo Estado refugia-se em figuras, como protótipos do que não consegue ser. Cristiano Ronaldo, Joana Vasconcelos ou José Mourinho são a iconografia do País sem rosto.

Marcelo Rebelo de Sousa foi nos media o justificador deste País. Nunca construiu ideias de pensamento que não fosse esse alargamento do poder de uma minoria. Apesar dos monólogos nunca foi pedagógico, apenas mantendo os contornos deste caos, gracejando e virando-se para qualquer lado sem verdadeiro compromisso. A rábula da interrupção voluntária da gravidez feita por Ricardo Araújo Pereira ou a sua resposta que vota como qualquer um, num clube de futebol (Entrevistas, 2015) diz-nos tudo sobre esse tempo velho de apaziguar a maldade de sucessivos governos. Os seus monólogos foram apenas a forma de se conciliar tudo, mantendo as suas preferências de sempre - o seu clube ideológico.

Existe em Marcelo Rebelo de Sousa valores como a confiança e a imparcialidade, a independência ou os valores constitucionais? Todos sabemos que não. A sua eleição não é dependente das suas ideias, mas do vazio de palavras sem significado, como foram as de Aníbal Cavaco Silva. Os debates revelaram palavras de pura demagogia como dizer que outros "candidatos representam metade do País", quando ele é isso mesmo, apenas superado quando diz as graçolas em  televisão de programas descartáveis. A sua eleição é o aplauso de televisões, jornais e comentadores. Nestes actores nunca se viu a condenação da cultura dominante que cultiva a impunidade. O País em si, a resposta necessária para superar o caos reinante precisa de incentivos e respostas que não moram no professor de Direito. O País não precisa de políticos que só querem ser porreiros. Precisa de quem queira traçar um rumo com as pessoas.

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