sábado, 7 de fevereiro de 2015

A orgia do dinheiro - o caso da TAP

"Logo que deixamos de valorizar o público sobre o privado, com o tempo viremos decerto a ter dificuldade em perceber porque deveríamos valorizar a lei (o bem público por excelência) em relação à força." (Tony Judt)

Os gregos, sim eles, perceberam muitos séculos antes desta era dita cristã, mas pouco civilizada, que era a participação, o conhecimento no modo ou tipo de governo que se tem, que permite formalizar um determinado sentido de comunidade. Esse sentido orienta uma ética essencial de quem governa e condiciona o autoritarismo. A década de sessenta, anos de reconstrução de uma cidadania, quadro em que Portugal não participou, viu emergir, uma ideia de social democracia. Desses dias nasceu uma geração de governantes, os políticos light, os que simplesmente não defendem nada em particular, que não seja a gestão de clientelas particulares. Todos se afirmam democratas, embora não saibamos sequer o que é a Democracia.  Portugal que não conheceu a social-democracia, viva agora na exaustão do movimento neoliberal.

Este movimento construído sob a desvalorização das instituições, funda-se numa classe política em que os interesses privados de especuladores financeiros, alimentando os centros de interesse global, dominados por centros estatais específicos, ou por entidades como o FMI, obliteram à Democracia a sua essência de liberdade moral. Processo incentivado por uma União Europeia colaborativa face à especulação que promove os interesses financeiros globais e a estratégia industrial da Alemanha. Aquilo que é designado por Democracia é um pequeno círculo fechado de verdades estilizadas, onde não há alternativa, nem sequer para imaginar. Portugal, sempre tardio na descoberta do universo, viu chegar nos últimos quatro anos os discípulos desta concepção de rara coragem moral no governo político.

A Democracia não vive sem uma participação das pessoas, sem a ideia de construção de uma comunidade, sem a valorização das instituições de organização política. Nunca, como no governo de senhores do "irrevogável", se assistiu à tentativa de pressionar e desmantelar o valor dos três poderes como o apresentou Montesquieu. A venda da TAP é apenas mais um episódio numa sucessão de casos dominados por um fundamentalismo neoliberal.

A privatização não é vista em Portugal, como uma forma de gestão funcional para melhor equilibrar as finanças públicas. A cedência ao privado de valores estratégicos, a construção de um capitalismo de rendas, de privilégio, para grupos sem visão de comunidade, ou de valor social, diz-nos muito sobre esta ideologia contra as pessoas e os valores humanos da decência. Iniciada pelos governos socialistas, também eles políticos baby boom, seria levado ao maior fundamentalismo pelo actual governo, construído numa estratégia de mentiras sucessivas e na demissão cívica da Presidência da República.

O plano de austeridade delineado pelo FMI, ou pelo Golden Sachs, antecâmara da Troika, propunha um conjunto de correcções ao peso do Estado e assim contribuir para uma finanças públicas mais equilibradas. Nada disso tem sido feito. Não há reorganização do Estado. Há destruição do trabalho, para oferecer ao privado os lucros. As oligarquias dentro do Estado estão intactas com as dependências ao privado, em domínios lucrativos para aquele. São os casos da ANA, da EDP, da REM, ou dos CTT. Não há aqui nenhuma gestão para o equilíbrio das finanças públicas, mas apenas a cedência aos grupos de interesse privados. É o estado, no seu sentido político contra as pessoas. A TAP é o mais claro exemplo deste fundamentalismo.

O plano da Troika não previa a venda da TAP. A sua opção é o cumprimento ideológico de dar tudo, e o mais possível aos do costume. A TAP presta um excelente serviço, tem sozinha realizado importantes investimentos e o conglomerado das suas empresas, à excepção do caso Brasil, tem promovido excelentes lucros. A venda da TAP é só a confirmação de uma linha ideológica que assume quatro linhas deploráveis de acção governativa: 1. Fanatismo ideológico, 2. Resultados globais medíocres; 3. Descrédito completo da acção política e 4. Desprezo pelo compromisso político e pela gestão equilibrada em comunidade.

Os excedentes de desemprego que promoveu e promove no espaço público, com destruição clara da qualidade e acesso na educação, justiça e educação, a subida da dívida pública de 72% em 2008, para os 130 %, em 2014, relativos ao valor do PIB revelam como as privatizações não serviram o equilíbrio das finanças públicas. As declarações de governantes que mudam entre  um dia e ou outro, negando o que antes afirmaram sobre a privatização da TAP revelam que são do género de pessoas em que não se pode acreditar. Um governo sem legitimidade política, alicerçado, nos esquecimentos da Presidência da República e na repetição de cartilhas nos media, pretende vender uma empresa que só pode ser benéfica para todos os portugueses. O governo que desconhece a palavra compromisso deve ser combatido por esse mal absoluto que é a sua governação - "o lixo do luxo" que é o seu alimento.

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