sábado, 5 de julho de 2014

Leituras - O mundo

"As tardes mortas, com a perspectiva que dá o tempo, acabaram por ser as mais vivas da minha existência. Foram elas, para o bem ou para o mal, que me fizeram; daquelas tardes por onde deambulei ocioso, como um fantasma, nasci. (...) 

E o que vi, sobretudo, foram as ligações invisíveis que uniam tudo, e eram tão sólidas, as ligações, que na realidade profunda tudo era uma manifestação do mesmo. Aquela diversidade, estava ao serviço da unidade, pois só havia uma coisa, a minha rua, quer dizer,a Rua, ou seja, o mundo." 

Há livros que entram em nós como um vento, inundando todos os momentos por onde as palavras respiram o que viveram e o que construiram, entre o silêncio e o pavor de desencontros. A voz que se esquece de si no mundo que não se entende, nos milagres que não presenciamos, nos lugares que são pouco nosssos.

Há livros que nao são feitos como planos fabris, entre pesquisa e narração, burocraticamente romanceando as possibilidades da vida, mas respirando as opções geracionais dos jovens, a alegria das descobertas infindáveis em ruas a descobrir, na memória do mais íntimo. Há livros que aspiram a contar-nos as experiências de sal e lágrimas com que muitas vezes crescemos, na incompreensão de uma festa onde somos pouco acolhidos.

O mundo é um desses raros livros, onde a infância marca uma vida, o seu frio e o seu vento, entre o maior desconforto e a maior solidão se procuram construir vidas reais, apartir de uma ficção vivida, dos ciclos de vida que não entendemos e que permanecem em nós. Um livro sobre a infância, na Espanha do franquismo, sobre os adultos e a sua solidão feita de medos e sobre uma sociedade de pobreza, de carência, que renega a memória de cada um, a sua participação no real.

Um livro sobre a dificuldade de cada criança em ser aceite, do social como linha forçada de uma individualidade pouco compreendida e das feridas que da infância trazemos para os mundos irreais, de onde se tenta nascer. Um livro que é uma memória de um tempo, de uma geração de um mundo que se fazia e criava na rua que nos fazia nascer. Ainda lá estamos, mesmo que já lá não vivamos, pois os seus cheiros, as suas cores ainda nos acordam em muitos momentos.

Sem comentários:

Enviar um comentário