sábado, 12 de julho de 2014

Em memória de um poeta - Neruda

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada,
e piscam, azuis, os astros, ao longe”.


O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a quis, e às vezes ela também me quis.


Nas noites como esta,  tive-a entre meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.


Ela me desejou, e às vezes eu também a desejava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.


Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.


Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.


Que importa que o meu amor não pudesse guardá-la?
A noite está estrelada e ela não está comigo.


Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
Minha alma não se conforma por havê-la perdido.


Como que para aproximá-la, meu olhar a procura.
O meu coração a procura, e ela não está comigo.


A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós, os de então, já não somos os mesmos.


Já não a desejo, é verdade, mas como a desejei…
Minha voz buscava o vento para tocar seu ouvido.


De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.


Já não a desejo, é verdade, mas talvez a deseje…
É tão curto o amor, e tão longo o esquecimento…


Porque em noites como esta tive-a entre meus braços,
minha alma não se conforma por tê-la perdido.


Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que eu lhe escrevo.


Pablo Neruda, "poema 20",  in 
Pablo Neruda – poemas para recordar. Fundación Pablo Neruda.

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