sexta-feira, 2 de maio de 2014

Leituras - Uma escuridão bonita

"O silêncio é uma esteira onde nos podemos deitar.
Esteira de poeira cósmica, se eu olhar de novo o céu escuro. Esse azul do céu me lembra o chão do mar. Um mar, afinal, é só um deserto molhado, em vez de homens e camelos, tem peixes e canoas a passear nele. O deserto é parecido com o mar, o mar é parecido com o universo cheio de estrelas pirilampas."

Amanhecemos com a sua claridade.Vemos com ela os recortes deixados na hora crespuscular e a sua luminosidade envolve-nos em diferentes momentos do dia. Quase pensamos que com ela vemos o essencial e sentimos em écrans de possíveis o que podemos imaginar. Associamo-la muito ao que fazemos, nas rotinas que estabelecemos. Tem um simbolismo de quase verdade. 

Existe, no entanto, na sua ausência todo um mundo a descobrir, feito de sombras, de cheiros, de silêncio, onde o universo se revela, onde os gestos se significam na escuridão. É nesta imensão de noite que melhor percebemos a infinitude do Universo, e que de tão vasto apenas o podemos acolher no coração, nos gestos que amamos, nos desejos mais humanos. 

A luz onde tentamos viver transmite-nos muito ruído, muitos passos, largos caminhos em gestos apressados, pouco silêncio em linhas onde ouvimos mal a respiração que nos aproxima, as ideias que queremos partilhar. Na escuridão encontramos céus estrelados, universos de uma luz diferente, onde o silêncio faz anunciar anjos, onde as mãos guardam o som marítimo, os desejos dos sonhos impossíveis, do tempo redescoberto, inventado.

Na escuridão os gestos individuais são caminhos para construir pontos de luz, encontrar as memórias, as sombras perfumadas, desenhar contornos de mãos, os sonhos a acontecer. A imaginação nasce aqui, da escuridão que se quer bonita, da lua a descer nas estrelas,do perfume de abacate dos cabelos dela, do som do cheiro da água e o coração. Do coração que se veste do azul límpido e do mar habitado no sorriso, por onde a beleza se veste com as palpebras da noite.

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