quarta-feira, 2 de abril de 2014

Dia Mundial da Literatura Infantil

A sociedade contemporânea estabeleceu uma ligação profunda entre o livro e a criança. As preocupações para com a criança são recentes. No melhor têm duzentos anos. Só muito recentemente a infância passou a ser vista como uma época mágica, onde o tempo tem outra dimensão e encanto.

Foi a partir do século XIX que no quotidiano as crianças começaram a ser vistas não como pequenos adultos, mas como seres especiais, livres da maldade adulta e das suas contradições. Assim, a partir deste período vimos nascer a Literatura que se dedica à criança. Literatura que retrata a criança na sociedade ou e é o que aqui mais nos importa, faz nascer heróis e heroínas que são crianças.

Estes heróis e heroínas apresentam-nos a visão do mundo visto pelas crianças, a sua imaginação, medos e sonhos. Diversos autores tentaram criar esse imaginário e deixá-lo expresso em livro, na tentativa que guardemos fora do tempo essa candura e beleza única das crianças. Dois exemplos onde a História, a Literatura e as Crianças se juntam na recriação de universos de fantasia e descoberta do que afinal somos, Peter Pan e Alice no País das Maravilhas.

Escritos respectivamente por J. M. Barrie e Lewis Caroll emergiram como obras, como produtos de uma cultura na sociedade vitoriana do século XIX. Reflectem a ternura de dois homens por crianças, a construção de um imaginário de sonho, onde os valores da sinceridade e da inocência garantiam a conquista de aventuras por mundos novos. As suas aventuras são de certo modo a ambição nascida num novo século de dar à criança outro protagonismo.

Peter Pan é uma figura fora do tempo, sem responsabilidades, preocupado em brincar, conhecedor de um mundo, onde a fantasia reina. Mas ele é também alguém que está ali para colocar em dúvida a estabelecida e serena estabilidade da família Darling. Peter Pan sobrevoa esse espaço e sem referências irá caminhar pela fantasia onde as crianças se podem encontrar com a felicidade.

Alice é igualmente uma construção para perpetuar a beleza e o espírito irrequieto da criança, à procura de novas aventuras. Alice é diferente de Peter Pan. A sua densidade psicológica é outra. Helena Vasconcelos (1) considera-a a maior personagem da História da Literatura. Alice é a primeira criança transformada em heroína de uma história. Tem qualidades humanas espantosas, ainda nas palavras da autora de A Infância é Um Território Desconhecido, «É engraçada. É curiosa. É valente. É emotiva. Tem um profundo sentido da justiça. É esperta. É sentimental. É lógica. É rapariga.»

Alice olha para o mundo com a inquietação de quem o quer mudar, desafiando todos os perigos e em diferentes espaços. Nascida igualmente na sociedade vitoriana, faz do mundo o seu campo de aventura, num tempo em que os Ingleses dominavam os mares e continentes com o seu império. Alice representa igualmente os novos tempos sociais, a conservação dessa glória que é a infância para perpetuar o nosso olhar brilhante de novidade a cada instante.

Afinal é toda a infância que ali está, a nossa, a de cada um que em cada tempo inicia o difícil, arriscado e complexo processo de cresimento e de descoberta do mundo.

(1) Helena Vasconcelos, A Infância é Um Território Desconhecido, Quetzal (textos breves)

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