sexta-feira, 18 de abril de 2014

A ideia de um país - dia mundial de sítios e monumentos

«É um leve pó de estrelas surpreendido, uma porção de arco-íris que agarrei» (1)

Há quem julgue ser possível existir um País onde o território, uma imensa parte dele, possa ser esquecido, despovoado, ignorado. Há quem julgue ser possível esquecer  que um Território alberga uma História, uma Língua, uma Cultura. Há quem julgue ser possível retirar a uma comunidade os meios de identificação com o seu património.

Há quem julgue ser possível destruir um património geológico com milhões de anos e aprisioná-lo num museu virtual, como se a vida pudesse ser contida em limites tão pobres. Há quem julgue ser possível  sacrificar o espaço de vida de uma Cultura aos lucros especulativos de uma minoria, que em monopólio nos revela a sua sapiciência. Há quem julgue ser possível esquecer o brilho da manhã e pensar apenas na superfície de ambições irrelevantes.

Há quem julgue ser possível fechar os espaços de vida, testemunhos de outros tempos, como se fossem dispensáveis. Há quem julgue ser possível encerrar os trilhos da memória, sem os dinamizar, sem os dar a conhecer, sem os querer vivos. Há quem julgue ser possível substituir o vento pelos lucros apressados, na ideia de uma modernidade incompreensível ao coração do homem.
No data de mais um dia mundial dos sítios e monumentos e na lógica que Orwell tão bem explicou a actual gestão política organiza o quotidiano dos outros apenas na reformulação sem verdade da linguagem, em que tudo é o e não o é ao mesmo tempo sem nenhuma solidariedade nem pelas pessoas, nem pelo território. A comemoração deste dia é neste contexto um pouco como o resto, um eterno faz de conta, onde os consensos são a forma última e é unica possível.

Jorge Pelicano fez um documentário onde se percebe como uma classe política se alimenta de cimento, onde outros, mais sábios apenas queriam respirar as «planícies do campo celeste» (2). Premiado como o melhor documentário no Doc Lisboa em 2009, já passou pelas saslas de cinema e merece muito visto. É a Linha do Tua que infelizmente nos revela a perda de um património e a gula de uns quantos. A nossa verdadeira crise está aqui. A demissão, o esquecimento de culturas, de formas de vida autênticas. Revela um caminho destruído, por onde formas de cultura e de sociedade tinham ampla capacidade de respirar e de contribuir organicamente para um todo.
 
(1), (2) -  Henry David Thoreau, Walden

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