segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Memória de Pasternak

 «A noite vai bem avançada. Dá-me um fósforo...» (1)
Tolstoi dizia que quem desejava uma vida pacífica e tranquila não deveria nascer no século XX. O século das grandes transformações tecnológicas foi-o para a Humanidade de uma crueldade, onde ideologias à sombra de princípios pensados igualitários tornaram a vida de milhões num sacrifício indescritível. 

Doutor Jivago de Boris Pasternak é um desses livros universais que se serve do fundo histórico, dos dias vividos para nos dar a dimensão humana num período de profundas alterações sociais e políticas, os anos que precedem a revolução bolchevique na Rússia, até ao fim da 2ª grande Guerra. Pode o Homem num período de alterações tão bruscas, manter a sua consciência e permitir-se preocupar-se pelo exercício do bem como valor?

Com Doutor Jivago vemos o confronto entre o homem do quotidiano e os que se dedicavam à utopia abstracta, que não é humana na voracidade das suas manifestações. Assistimos ao confronto entre a iniciativa de se querer exprimir e as representações do pensamento único e domesticado da ideologia. Boris Pasternak fez com Doutor Jivago a denúncia do que era essa Primavera prometida e como isso afectava o quotidiano das pessoas, sentindo-se que o conjunto dos cidadãos compreendiam como as novas ideias não satisfaziam as suas necessidades mais básicas. A insastifação é aqui uma forma de liberdade.

Doutor Jivago é um pouco mais do que a crónica de conjuntos sociais em desagregação pelo novo poder comunista em ascensão. Compreende-se a evolução trágica que o Mundo viveu em largas zonas entre o os anos vinte e quarenta do século passado. Sente-se como intelectuais se transformaram em funcionários do regime e de como Jivago é essa voz inconformista. Observa-se como se difundiu a fome, a miséria e as doenças num cenário de desorganização geral. O livro é construído numa denúncia que é apenas alimentada pela realidade observada, o que dá mais grandeza ao seu autor. 

Doutor Jivago acima disto tudo é um livro sobre o amor. O amor entre gerações, no seio da família e entre os protagonistas da história. Amor que se  sente no idealismo de Jivago, na sua atitude como escritor e como médico. Amor que se vê confrontado com diferentes opções e que nos dá uma ideia final. A única coisa acima das estruturas económicas e sociais, a única força capaz de resistir a todos os laços a que o homem se compromete, é o amor. Com ele consegue persistir no esforço de caminhar, apesar de todas as dificuldades e do cenário que envolve o filme.

Boris Pasternak nasceu em Moscovo, a dez de Fevereiro de 1890 e só após a sua morte, a sua obra seria autorizada na União Soviética. O livro foi editado em 1957, fora do país. Recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1958. David Lean realizaria a adaptação da obra em 1965, que daria um carácter único e mais visual deste grande quadro, que á história de Doutor Jivago. Omar Sharif e Julie Christie ganharam com ela também um pouco de imortalidade.

(1) Lu Yuan, «Melancolia«, citado de O Rio e o seu segredo
Imagens, Doutor Jivago de David Lean
in adorocinema.com

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