terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Ler os Clássicos

«Há sobretudo esse tempo que é transportado fisicamente pelos livros. Esse pó que fica nos livros. O pó do tempo (...) a própria essência da nossa vida.» (1)

Em Os grandes livros, Anthony O'Hear remete-nos para dois mil e quinhentos anos do pensamento humano. Nele se destacam autores desde a aventura grega, Homero, Virgílio e Platão, a um dos séculos mais interessantes da Antiguidade Clássica, com Cícero até aos autores medievais chegando ao período da segunda explosão do conhecimento humano. De Camões, a Cervantes, a Shakespeare, a Racine e a Goethe.

Este não é um livro que apenas nos apresenta marcos do pensamento e da cultura que fundaram a civilização ocidental. É um livro que nos transporta para a leitura de autores e pensadores que só aparentemente estão longe de nós. Com eles podemos readquirir os instrumentos que fizeram o suporte de uma educação que a cultura anglosaxónica designou de «gentlemanship».(2) Isto é, os meios e os suportes para formar cidadãos esclarecidos, capazes de obterem uma formação de carácter, essencial para uma sociedade de direito.

Esta ideia de uma civilização construída sob uma «educação liberal», capaz de garantir uma sociedade com sentido de dever para todos os cidadãos foi construída desde a cultura Grega, que tendo sido dominada formalmente pelos Romanos trouxeram ao futuro toda a sua ideia de formação intelectual. 

Questão importante, pois a evolução recente das sociedades contemporâneas parece querer esquecer o fundamento deste património.Hoje vive-se numa miragem de instrumentos tecnológicos, suporte de um Estado tecnocrático, onde a memória é marginalizada, tornando-se cada vez mais difícil fazer a ligação ao tempo de que falava Agostinho da Silva. «Todo o passado como o futuro coincidem num ponto, que se chama o presente.» (3) É esta ligação que estamos como sociedade a destruir, num universo de um barulho tecnológico, incapaz de recuperar a intimidade, base da civilização.

Hoje considera-se apenas válida a actividade que seja unicamente utilitária. O desprezo a que disciplinas como o Grego, o Latim e a História são votadas esclarece esta ideia, que vem alterando o próprio sentido da sociedade. A Universidade, ela própria tem sido vítima desta alteração, onde a conversação, a discussão das ideias por elas próprias, quando não servem para produzir qualquer bem material é já uma dispensabilidade.

É esta a importância da leitura e dos livros que pertencem à nossa memória. Com eles nos redescobrimos, aceitamos a humildade de quem antes nos deixou pensamentos e sugestões. Sobretudo com eles reafirmamos o que John Henry Newman nos disse em 1854:« ter um intelecto cultivado, um gosto delicado, (..) uma atitude nobre e cortês na condução da vida».(4) São afinal o elemento que durante séculos organizou a Universidade e o fundamento do conhecimento.

No fundo, a circulação da informação a que assistimos a nível planetário, só pode ser interagida, fiavel e aberta se cada cidadão tiver a oportunidade de revelar a sua expressão pessoal. É com ela que cada um pode contribuir para a recuperação dos valores humanistas que estão entorpecidas com uma sociedade vinculada a uma engrenagem tecnocrática, afastada do silêncio e do coração do Homem. É esse o papel transformador da leitura. Neste sentido Os grandes livros é uma oportunidade de recuperar essas vozes que pensaram, sentiram e que nos dão como disse Yourcenar «essa intermitente imortalidade.» (5)

(1) Eduardo Loureço, citado de Opodoslivros.blogspot.com
(2) João Carlos Espada, «Os Grandes Livros», in http://www.ionline.pt
(3) Agostinho da Silva, citado de Associação A.Silva
(4) in, «A Ideia da Universidade»
(5) Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano

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