«Há sobretudo esse tempo que é transportado fisicamente pelos livros. Esse pó que fica nos livros. O pó do tempo (...) a própria essência da nossa vida.» (1)
Em Os grandes livros, Anthony O'Hear remete-nos para dois mil e quinhentos anos do pensamento humano. Nele se
destacam autores desde a aventura grega, Homero, Virgílio e Platão, a
um dos séculos mais interessantes da Antiguidade Clássica, com Cícero
até aos autores medievais chegando ao período da segunda explosão do
conhecimento humano. De Camões, a Cervantes, a Shakespeare, a Racine e a
Goethe.
Este
não é um livro que apenas nos apresenta marcos do pensamento e da
cultura que fundaram a civilização ocidental. É um livro que nos
transporta para a leitura de autores e pensadores que só aparentemente
estão longe de nós. Com eles podemos readquirir os instrumentos que
fizeram o suporte de uma educação que a cultura anglosaxónica designou
de «gentlemanship».(2) Isto é, os meios e os suportes para formar
cidadãos esclarecidos, capazes de obterem uma formação de carácter,
essencial para uma sociedade de direito.
Esta
ideia de uma civilização construída sob uma «educação liberal», capaz
de garantir uma sociedade com sentido de dever para todos os cidadãos
foi construída desde a cultura Grega, que tendo sido dominada
formalmente pelos Romanos trouxeram ao futuro toda a sua ideia de
formação intelectual.
Questão importante, pois a evolução recente das sociedades contemporâneas parece querer esquecer o fundamento deste património.Hoje
vive-se numa miragem de instrumentos tecnológicos, suporte de um Estado
tecnocrático, onde a memória é marginalizada, tornando-se cada vez mais
difícil fazer a ligação ao tempo de que falava Agostinho da Silva.
«Todo o passado como o futuro coincidem num ponto, que se chama o
presente.» (3) É esta ligação que estamos como sociedade a destruir, num
universo de um barulho tecnológico, incapaz de recuperar a intimidade,
base da civilização.
Hoje
considera-se apenas válida a actividade que seja unicamente utilitária.
O desprezo a que disciplinas como o Grego, o Latim e a História são
votadas esclarece esta ideia, que vem alterando o próprio sentido da
sociedade. A Universidade, ela própria tem sido vítima desta alteração,
onde a conversação, a discussão das ideias por elas próprias, quando não
servem para produzir qualquer bem material é já uma dispensabilidade.
É
esta a importância da leitura e dos livros que pertencem à nossa
memória. Com eles nos redescobrimos, aceitamos a humildade de quem antes
nos deixou pensamentos e sugestões. Sobretudo com eles reafirmamos o
que John Henry Newman nos disse em 1854:« ter um intelecto cultivado, um
gosto delicado, (..) uma atitude nobre e cortês na condução da
vida».(4) São afinal o elemento que durante séculos organizou a
Universidade e o fundamento do conhecimento.
No
fundo, a circulação da informação a que assistimos a nível planetário,
só pode ser interagida, fiavel e aberta se cada cidadão tiver a
oportunidade de revelar a sua expressão pessoal. É com ela que cada um
pode contribuir para a recuperação dos valores humanistas que estão
entorpecidas com uma sociedade vinculada a uma engrenagem tecnocrática,
afastada do silêncio e do coração do Homem. É esse o papel transformador
da leitura. Neste sentido Os grandes livros é uma
oportunidade de recuperar essas vozes que pensaram, sentiram e que nos
dão como disse Yourcenar «essa intermitente imortalidade.» (5)
(1) Eduardo Loureço, citado de Opodoslivros.blogspot.com
(2) João Carlos Espada, «Os Grandes Livros», in http://www.ionline.pt
(3) Agostinho da Silva, citado de Associação A.Silva
(4) in, «A Ideia da Universidade»
(5) Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano
Sem comentários:
Enviar um comentário