terça-feira, 18 de junho de 2013

Uma carta ao Miguel ... sobre os professores

Há anos que  o leio, e sempre achei que exercia o papel que numa sociedade aberta carecia, de muitas mais vozes. Isto é a participação num espaço público de ideias, onde a literatura, as artes, a ciência, a cultura poderiam ajudar a transformar uma sociedade, a imaginar uma cidade de possíveis. Admiro a sua identidade por uma ideia de liberdade que nasce com um espírito livre e com o movimento que todas as imagens nos permitem fazer. Os seus livros têm-nos dado tempos diferentes no desencontro que algumas das suas personagens, referências de tempos históricos, têm vivido no quotidiano das suas existências.

Se o que somos é o que lemos, o que vivemos e convivemos, o seu é muito daquilo que também nos fascina, que são as palavras de Sophia, a sua procura pela depuração das ideias e da linguagem, sempre com  a ideia de saber olhar. Um dia, há muitos anos, por Lisboa, no decurso de uma campanha eleitoral, num cinema velho e ainda com ilusões na respiração, ouvi-a a dizer estas palavras "A Política é um capítulo da moral" e é por esta dramática ausência de consciência no espaço público que o convido a reflectir sobre as suas palavras, sobre os professores.

Também cresci numa aldeia abandonada na serra, em Trás-os-Montes e não me parece aceitável que se procure na memória, no esforço e na pobreza seculares qualquer motivo para o que hoje ou não fazemos ou o progresso realizado em contornos contraditórios com o que poderia ser o presente. A História não nos serve para isso. Mas o exemplo é útil, porque ele dá-nos algo que o seu artigo carece. Não é possível falar da educação sem enquadramento sociológico e a escola que existe desde o 25 de Abril foi uma formulação ideológica dos partidos políticos, não dos professores. Não se  pode falar dos professores, sem perceber os ensaios de romantismo que foi o padrão geral,  o populismo da classe política ou o abandono das universidades ao mundo real.

Ouve-se frequentemente falar nas suas crónicas de que todos os professores são contra a avaliação. e que todos pretendem ser considerados excelentes, defendo-se como corporação. As corporações em Portugal são as que rodeiam o poder político e económico. A avaliação montada desde os dias iluminados pelo governo socialista do senhor engenheiro Sócrates, foi um mecanismo de controle de poder, não assegurava qualquer verificação de conhecimentos e de desempenho. Uma escola, um sistema educativo só pode avaliar, depois de reconhecer o papel do professor na transformação da sociedade. E é por isso, por silêncio que as suas palavras que outros também repetem que os resultados e os gastos comparativos com a Finlândia mostram a incompetência dos professores portugueses, é uma imensa e profunda inverdade. Para conhecer a simplicidade que não sabemos praticar, mas que importa conhecer no concreto.

Se consultar o funcionamento, a gestão das escolas, os espaços e a sua apresentação, a maleabilidade das opções, a cumplicidade das estruturas intermédias de tutela e o sentido de responsabilidade na Finlândia verá como o seu texto tem em muitos aspectos uma limitada abordagem. 
O que os professores, os que fizeram greve aos exames quiseram mostrar foi o canto de cisne de uma sociedade onde a diferença ainda importa, onde as dificuldades podem ser compensadas com partilha e apoio. Foi a tentativa de mostrar o perigo de criar uma sociedade em que as pessoas nada valem, onde qualquer poder político sem legitimidade de soberania pode enriquecer uma minoria, por opção ideológica e vazio cultural e civilizacional das instituições.

Perguntava há alguns dias, se um lunático dominado pelo fundamentalismo podia destruir um País com oito séculos de História? A greve dos professores foi também isso, porque e embora os sindicatos não o expliquem, não é só uma questão de horários. É o combate à destruição de um sentido público de cidadania, à subversão da natureza humana de uma a participação social. Foi esse o sentido daqueles, pelo menos alguns muitos, que não tendo assinado a folha de presenças, estiveram no próprio dia a apoiar alunos para outros exames de outras disciplinas.

A realidade é mais profunda e se aspiramos a uma sociedade participativa não podemos apenas considerar a indignação, entre as fronteiras incolores do sono. A ausência de exemplo e de justeza na administração do espaço público, o enriquecimento ilícito, entre tantas histórias leva-nos a alguns versos que deve conhecer: "novos ratos procuram a avidez antiga".

(Imagem, uma escola da Finlândia)

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