domingo, 26 de fevereiro de 2017

Leituras - A forma na arquitectura

Sobre minhas ideias políticas direi que fui sempre um revoltado. Nunca esqueci - tinha oito anos - minha avó a dizer para a empregada: "Tira esse pano da cabeça, negra não usa isso". Depois, foi a própria vida a evidenciar suas misérias: o patrão a oprimir o empregado, o amigo mais pobre preterido, o desamparo que aflige nossos irmãos brasileiros e a burguesia ignorante a oprimi-los, ou a se manifestar de forma paternalista e irresponsável. Não podia ter dúvidas sobre a posiçao a tomar, num país em que setenta por cento da população sofre, explorada e perseguida.

Com relação à minha actuação profissional, direi que trabalhei demais, que me sinto um homem que ficou num canto a desenhar sem sentir o universo que o cerca em todas as suas grandezas e mistérios, sem ter tempo para olhar a própria vida e sobre ela divagar, sozinho, como Descartes.Mas estou tranquilo. Afinal, fiz o que pude fazer e não esqueci os que sofrem e com eles, caminho solidário.

Diante da evolução contínua e invejável dos programas que surgem, criandos pela vida e pelo progresso, o arquitecto vem concebendo, através dos tempos, o seu projecto: frio e monótono ou belo e criador, conforme o seu temperamento e sensibilidade. Para alguns, é a função que conta; para outros, inclui a beleza, a fantasia, a surpresa arquitectural que constitui, para mim, a própria arquitectura.

E essa preocupação de criar a beleza é, sem dúvida, uma das caractaerísticas mais evidentes do ser humano, em êxtase diante desse universo. E isso encontramos nas épocas mais remostas, com o nosso ancestral longínquo a paintar as paredes de sua caverna, antes mesmo de construir o seu pequeno abrigo. E o mesmo se repete pelos tempos afora, a partir das pirâmides do Egipto. Arquitectura - escultura, forma solta e dominadora sob os espaços infinitos. 

Pelos anos trinta quando comecei a arquitectura contemporânea se fixava entre nós, com o funcionalismo pontificando, recusando a liberdade de criação e a invenção arquitectural sempre presentes nos grandes períodos da arquitectura. Foi o tempo da planta de dentro para fora, do ângulo recto, da máquina de habitar,; da imposição dos sistemas construtivos, limitações funcionalistas que me não me convenciam ao olhar as obras do passado tão cheias de invenção e lisrismo. 
Não podia compreender como, na época do concreto armado que tudo oferecia, a arquitectura contemporânea permanecesse com u mvocabulário frio e repetido, incapaz de exprimir aquele sistema em toda a sua grandeza e plenitude.

Durante os primeiros tempos, procurei aceitar tudo isso como uma limitação provisória e necessária, mas depois, com a arquitectura contemporânea vitoriosa, voltei-me inteiramente contra o funcionalismo, desejoso de vê-la integrada na técnica que surgira e juntas caminhando pelo campo da beleza e da poesia.
E essa ideia passou a dominar-me, como uma deliberação interior irreprimível, decorrente talvez de antigas lembranças, das igrejas de Minas Gerais, das mulheres belas e sensuais que passam pela vida, das montanhas recortadas esculturais e inesquecíveis do meu país. "Oscar, você tem as montanhas do Rio dentro dos olhos", foi o que um dia ouvi de Le Corbusier.

A arquitectura deve exprimir o progresso técnico da época em que é realizada. E, mais, que não acredito ter a burguesia interesse em resolver o problema da classe operária, que o importante é mudar a sociedade. "Mudar a sociedade". Esta é a forma de base indispensável para a arquitectura mais humana que desejamos. E reclamá-la, a única atitude a tomar, se estamos realmente interssados no problema social.

Disse-o uma vez, "devemos aceitar que quando uma forma cria beleza ela tem uma função e das mais importantes na arquitectura". É o que ainda tenho a dizer sobre a forma na arquitectura, sobre a criação arquitectural que tanto me ocupou por toda a vida, embora interessado em outros problemas, revoltado com a miséria, muito mais importante, para mim, do que a  arquitectura.

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