quarta-feira, 25 de maio de 2016

Deambular por Londres com Virginia Woolf (II)

Como é bela uma rua no Inverno! Ao mesmo tempo explícita e obscura. Aqui, é possível traçar vagamente avenidas direitas e simétricas feitas de portas e janelas; aqui, debaixo dos candeeiros, flutuam ilhas de luz coada, por onde passam, rapidamente iluminados, homens e mulheres que, apesar de toda a sua miséria e desmazelo, transportam qualquer coisa de irreal, um ar de triunfo, como se tivessem fugido da vida, de modo que a vida, iludida por quem a despejou, erra sem eles. Mas, mesmo assim, ainda estamos apenas a deslizar suavemente pela superfície das coisas. (...)

Como é bela uma rua de Londres, com as suas ilhas de luz, e os longos arvoredos de escuridão, e num dos lados, talvez, um espaço relvado salpicado de árvores, onde a noite se enrosca naturalmente para dormir, e quando atravessa o gradeamento de ferro se ouvem aqueles pequenos estalidos e a agitação das folhas e dos gravetos, o que pressupõe o silêncio dos campos em redor, o piar de uma coruja, e ao longe o ruído de um comboio a passar no vale.

Mas estamos em Londres, lembremo-nos; bem acima das árvores nuas há molduras de luz oblongas, de um amarelo-alaranjado-janelas; existem pontos de luz a brilhar, imóveis, como estrelas baixas -candeeiros; este espaço vazio que contém o campo e o seu sossego é apenas um bairro de Londres (...) onde encontramos os acenos das chamas nas lareiras, e as incidências de luz projectadas pelos candeeiros sobre a privacidade de uma qualquer sala, as suas poltronas, os seus papéis, a porcelana, a mesa de embutidos, a figura de uma mulher...

A qualquer momento o exército adormecido pode despertar e acordar em nós, como resposta, uma multidão de violinos e trompetes, o exército de seres humanos pode erguer-se e defender todas as suas peculiaridades, sofrimentos e sordidez.

               Virgina Woolf. (2016). Fantasmagorias. Lisboa: Feitoria dos Livros, pá. 35, 36 e 37.

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