segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O tempo longo - a memória de Manuel Laranjeira

"[...] Não compensar o trabalho é aniquilar o estímulo de trabalhar. E até certo ponto, se não é justo. É pelo menos explicável, que homens, que em outro meio seriam prodigiosas fontes de riqueza e de progresso, respondam invariavelmente aos que os incitam a fazer alguma coisa: "Não vale a pena".

Ontem, passou mais um ano sobre o desaparecimento físico de um homem que conviveu com o modernismo e fez dele, com Amadeo de Sousa Cardozo, uma forma possível de modernidade num País velho e cinzento. O tempo longo é uma das suas mais importantes características, ao lado desse desfile de figuras tão nobres e vitais, que foram dispensadas de participar. De Sá de Miranda, a Bento de Jesus Caraça, de Torga a Pessoa, muitos ficaram presos na sua genialidade, dentro de um país que apenas respira, forma eufemística, para a expressão de Eça, "existe apenas".

Manuel Laranjeira, enquadra-se num movimento cultural autónomo dos homens que como Antero, Soares dos Reis, Torga, Ramalho Ortigão, Afonso Lopes Vieira ou Teixeira de Pascoaes souberam pensar as realidades sociais para melhor compreenderem o que faz as sociedades evoluírem e o que as paralisa, que movimentos as congelam e o que as transformam.

Manuel Laranjeira é associado a uma ideia de pessismismo nem sempre bem enquadrada, pois o que o movia era a compreensão dos elementos que não faziam do país um lugar entre as nações desenvolvidas. Laranjeira nasceu em São Martinho de Moselos, em 1877, num lugar próximo de Santa Maria da Feira e faleceu em Espinho a 22 de Fevereiro de 1912. Portador de uma neurastenia crónica, o seu pensamento e a procura de um sentido para o país fez-lhe traçar um caminho de pessimismo, que Miguel de Unamuno viria a traduzir na sua célebre formulação de um povo suicida, no seu livro por Terras de Portugal Y de España.

Laranjeira encontraria neste pessimismo muitos dos pontos que Eça já tinha trazido à luz do dia, nomeadamente com as crónicas do Jornal de Évora, sobre uma classe política incapaz de compreender o país e a sua função e uma população analfabeta, num país que proclamava valores de um tempo e de uma civilização que não vivia. Continuamos fora dessa civilização que se pensa a si como um futuro de possibilidades, que não seja apenas obedecer a directórios não eleitos.

Laranjeira era natural de um meio modesto, mas por apoio de um tio pode estudar, tendo-se formado em Medicina. Dotado de um grande saber para o seu tempo, conciliou diferentes interesses e nos seus escritos encontramos abordados temas que vão da religião, à política, à literatura ou às artes. Laranjeira teve uma influência muito importante em Amadeo de Souza Cardoso e na sua ida para Paris para estudar desenho. Viria a publicar diferentes textos em periódicos como a Revista Nova, A Voz Pública, ou ainda o Norte. 

A doença, as ideias de uma geração sobre a decadência do país, o isolamento cultural dos intelectuais ou dos que pensavam a realidade nacional, o afastamento de Portugal dos cenários de desenvolvimento e de enfoque internacionais construiriam um pessimismo de vida que o levaria cedo, numa atitude  violenta que outros também praticaram. Manuel Laranjeira é uma importante figura do pensamento oitocentista e do início do século e em muitos aspectos ele é profundamente actual.

Há neste livro e na sua obra a construção dos elementos culturais e sociais que impedem o País de ser um espaço de dignidade para os seus cidadãos. O seu diagnóstico sobre a irrelevância dada ao trabalho como capital, a inteligência não colocada ao  serviço da construção de ideias que suportem acções de valor para o homem no seu quotidiano, o afastamento das classes políticas pelo que é justo, pelo território, pela identidade cultural das pessoas recoloca a importância de Manuel Laranjeira no pensamento cultural do início do século. No movimento dos que ousaram pensar por si, e que veicularam um modernismo único, o de transformar o futuro, que é o presente de todos os dias.

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