quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Leituras - Stoner

“Na biblioteca da universidade vagueava por entre as estantes, por entre os milhares de livros, inspirando o odor bafiento a couro, tecido e papel ressequidos como se fosse um exótico incenso. Por vezes parava, tirava um volume de uma prateleira e segurava-o um instante com as suas mão grandes, que eram tomadas por um formigueiro perante essa sensação ainda nova da lombada, de capa cartonada e das folhas de papel que se lhe ofereciam sem resistência. Depois, folheava o livro, lendo um parágrafo aqui e ali, os seus dedos hirtos virando as páginas cuidadosamente, com medo de, desajeitadas, rasgarem e destruírem aquilo que tinham descoberto com tanto esforço.” (Pág. 18);

“Por vezes, imerso nos seus livros, tomava consciência de tudo o que não sabia, que não lera, e a serenidade à qual aspirava estilhaçava-se, quando percebia o pouco tempo de que dispunha na vida para ler tanta coisa, para aprender o que queria.” (Pág. 28);

“Esse amor à literatura, à língua, aos mistérios da mente e do coração que se revelavam nas ínfimas, estranhas e inesperadas combinações de letras e palavras, na tinta mais negra e fria… esse amor que escondera como se fosse ilícito e perigoso começou ele então a mostrar, hesitantemente a princípio e depois com ousadia e, por fim, com orgulho.” (Pág. 104).

Publicado em 1964, passou despercebido até uma editora francesa o reeditar nos anos oitenta e termos tido acesso a um grande, imenso livro. Um homem calado, trabalhador agrícola,vivendo no mais passivo dos mundos, entre tarefas rurais programadas, descobre o fascínio pela Filosofia e sobretudo pela Literatura. Na verdade a uNiversidade fez nascer um homem para as palavras, para os seus significados, numa vida familiar vazia e triste. É no estudo dos clássicos, que vê uma oportunidade de ser alguém diferente, um professor de Literatura, um entusiasma pelas palavras, pelo que medem no mundo. No seu gabinete redime-se e encontra a felicidade.

Stoner é sobre o nascimento de um homem, alguém que descobre um sentido humano, mesmo na infelicidade conjugal, e nos livros encontra um refúgio. Magnificamente escrito, de uma certa tristeza pungente alberga as fontes por onde descobre o seu caminho. É um livro fascinante sobre o peso das Palavras, esse universo de mundos distantes e próximos que nos faz renascer em novas possibilidades. Um grande livro.

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