segunda-feira, 4 de agosto de 2014

As insuspeitas instituições

" Pois a gente que tem / O rosto desenhado / Por paciência e fome / É a gente em quem / Um país ocupado / Escreve o seu nome.

E em frente desta gente / Ignorada e pisada / Como a pedra do chão / E mais do que a pedra / Humilhada e calcada.(...) - Sophia, "Esta Gente" - Antologia
 
A economia não sendo uma ciência exacta tem regras que permitem que suporte o que pode ser a evolução da gestão do "bem público" e uma sociedade organiza-se, se não tivermos o totalitarismo como chave ideológica das nossas acções por uma ideia de decência. A gestão da água, do ar, das vias de comunicação, dos meios tecnológicos de comunicação, a própria estabilidade económica, social e gestão política integram o que podemos considerar "bens públicos". São elementos de uma sociedade que se regulados contribuem para o desenvolvimento social e crescimento económico. A confiança, nos reguladores e agentes políticos e financeiros depende de um grau de independência que o recente caso BES revela não existir em Portugal.

A linguagem é uma das formas de comprender como os valores do bem público ou da decência são relevantes numa sociedade. O discurso da direita que governa o País usa uma terminologia que não é verdadeira, introduz um valor de culpa nas pessoas, mas não nos socialmente favorecidos, utilizando conceitos como ajustamento financeiro, desempregados em longa duração, apenas para camuflar a realidade. O caso BES introduz mais uma vez esta forma de enganar as pessoas.

O regulador esteve a dormir. Os dados até para leigos são de monta significativa. As notícias vindas do exterior há muito referenciavam uma gestão de ligação a interesses políticos muito definifos, a irregularidades nos mercados de capitais e a sanções noutros países. A luta pelo poder no controle do banco, a entrada do eminente banqueiro nas reuniões do conselho de ministro mostra toda a promiscuidade de um poder apenas regulado para a sobrevivência dos privilegiados. As doações da PT e as ligações ao democrático e regulado mercado angolano davam a conhecer a corrupção a todos, os que não nasceram cegos.

A solução criada, a divisão entre o banco bom e mau é mais uma mentira de um poder que respeita apenas a sobrevivência dos mecanismos de domínio sobre a sociedade. O Fundo de resolução de onde vem a capitalização do "banco bom" é alimentada pelo fundo financiado pela Troika, o que quer dizer que se trata de dívida pública, ou seja dos contribuintes. Ou seja, quem está a capitalizar o "Banco novo" são os contribuintes. É uma nacionalização sem o assumir formalmente.

O Estado, este governo empresta dinheiro a privados e não regula esse empréstimo, não coloca critérios de gestão. O exemplo e a solução são um desastre dando-nos a conhecer que os portugueses não podem participar numa sociedade em que cada um com confiança dê o seu melhor, participe para o bem público. As instituições de soberania jogam tudo no poder político dos instalados, o presidente da república não assume a distinção de poderes que qualquer principiante em Direito saberia explicar e o que ontem o governador e o governo afirmaram é que neste País a mobilidade de capitais apenas respeita regras de poder, não de decência. A fraude é uma continuidade de partidos que são como maçonarias, sem vinculação ao interesse público.

O país liberto, justo e limpo de que falava Sophia está não só mais distante, como impossível num espaço onde o lixo de um poder, regido pela ganância se subscreve num país ocupado por fome e miséria humanas. Novos folhetins explicados pelos doutores do costumes nos dirão que a grandeza do momento será compreendida no futuro. Certamente nos que são esquecidos pela Lei, o que faz dos seus autores na ideia de um velho, como Marco Aurélio, da longínqua Roma, exclusivamente "desertores da decência" (1). 


(1) Marco Aurélio, "Livro IX", in Pensamentos
 (Imagem - copyright: Runway - Huib Limberg, via  http://1x.com/)
   

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