«O
João Bénard é um menino. É um menino que, a cada momento da vida,
acabou de descobrir uma coisa. É sempre uma coisa maravilhosa que tem de
abraçar com muita força mas depois largá-la para poder mostrá-la aos
amigos e partilhá-la com toda a gente.
Porque se não a partilhar, se não a cantar, se não se destruir a elogiá-la de maneira a ser tão irresistível como ele
- até chegar a confundir-se com ele ao ponto de não sabermos qual
amamos mais, se ele ou as coisas que ele nos ensinou a amar -, se não
puder parti-la aos pedaços para poder dar um bocado a cada um, na
esperança que todos a queiram reconstruir depois, ele já não é capaz de
amar tanto aquela coisa, porque acredita que a coisa é grande e boa de
mais para uma só pessoa e sente-se indigno de gozá-la sozinho. É assim o
João Bénard.
O
João Bénard é um amigo. É um amigo que, a cada momento da vida, faz
sempre como se tivesse acabado de apaixonar-se por nós. Não lhe
interessavam nada as coisas que mudaram; as asneiras que fizemos; a
decadência em que entrámos; a miséria que subjaz às nossas opiniões ou o
grau de petrificação das nossas almas. Para ele, somos sempre os
mesmos. É um leal. Está sempre connosco como se fôssemos tão frescos
como ele. Puxa-nos pela manga da camisa; protege-nos da tempestade;
desata a rir no meio das encrencas; arranja tabaco clandestino;
deixa-nos subir para os ombros para vermos melhor; para saltar para o
outro lado; mostra-nos fotografias nunca vistas, de actrizes lindas,
escondidas debaixo da camisola - e faz tudo descaradamente; não se
importa de ser apanhado; não tem vergonha nenhuma; é um prazer estar com
ele; parece que todo o universo está em causa. É assim o João Bénard.
O
João Bénard é uma alma. É uma alma que, a cada momento da vida, desde
que nasceu, sempre fez pouco do corpo e das coisinhas de que o corpo
precisa. Tinha um corpo transparente, com a alma a ver-se lá dentro. Ou
então era a alma que projectava o corpo no ecrã da pele. É por isso que
todos nós o conhecemos como conhece Deus. Deus, apresento-Te João Bénard. João Bénard, apresento-te Deus.» (1)
(Haverá melhor forma que um amigo para falar de um outro seu amigo? Miguel Esteves Cardoso, há já quatro anos, no Público, sobre o Senhor Cinema, que nos deixou de falar das imagens que reiventam os sonhos.)
Imagem, http://danossaladeia.blogspot.com
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