sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Emigrantes - A escrita da memória

"I often come out here; it makes me feel that I am a long way away, though I never quite Know from where". (1)

Olhos-os nas suas perguntas de silêncio, na atmosfera sépia com que interrogam o presente e vejo neles uma conquista à morte, às lágrimas com que entoaram as dúvidas e os receios, os sorrisos naufragados de esperança.

Os seus passos preenchem os caminhos do azul que se encerra no vazio, como um esquecimento súbito, entre o desenho das ruas, o perfume das árvores e as cidades conquistadas à respiração de novas possibilidades.

Construiram a memória sobre os fragmentos da sua memória e encontraram nas manhãs frias, no céu cinzento, nas folhas caídas, nos mobiliários e nas arquitecturas que não conheciam, um caminho individual.

O século XX criou a ilusão de uma vontade colectiva, a construção de um tempo global dominado por uma estética de agressão, de desvinculação das pessoas a uma comunidade, a uma cultura. Sebald reconquista para as luzes da memória esse esquecimento a que foram condenados, mas também a resistência que os seus fragmentos dão corpo.

Emigrantes de Sebald é no individual, a construção do desenraízamento de uma cegueira colectiva que a 1ª metade do século XX criou em muitos seres humanos. Nem sempre o vemos, poucas o compreendemos, mas as primeriras décadas do século XX foram acima da vitória de impérios, a formulação psicológica de uma decadência europeia. 

Emigrantes, construído em quatro contos, "Dr. Henry Selwyn", "Paul Bereyte", Ambros Adelwarth" e "Max Aurach" , reconquistam esse olhar que do tempo esquecido nos devolve os passos hesitantes das novas descobertas, do tempo construído, de uma energia que no crepúsculo ainda pretende viver.

Emigrantes presta um enorme contributo à Literatura, porque faz viver ficcionalmente na biografia humana, nos seus sentidos mais intimistas, nas maiores esperanças, no valor da criação individual pra formular possibilidades novas. A ideia de ficção como tempo vivido, conduz Emigrantes para o Tempo da História, o da dimensão pendular, do movimento que no indivíduo acompanhou a decadência de um mundo familiar, cultural e afectivo.

Sem a sua história individual, essa queda de onda que suspira sobre um movimento desafiante e opressivo, nunca perceberíamos que a tragédia e a grandeza das suas vidas são o essencial para entender as mutações sociais e civilizacionais. Devemos a estes Emigrantes a capacidade de entender como o real se constrói de processos individuais e como o esquecimento na respiração de cada um é uma porta aberta à tirania.

Dos campos de lágrimas, de onde se ergueram, nas tardes de crepúsculo, os seus passos erguem uma memória que nos faz a nós ser parte do seu património. O de nos inscrevermos no mundo, no natural, onde a substância do tempo e a intemporalidade melhor se definem e melhor nos identificam.

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