"Bem pobres são aqueles que precisam de mitos. Descrevo e digo: 'isto é vermelho, azul, verde. Isto é o mar, as montanhas, as flores.' Tenho eu necessidade de falar de Dionísio para dizer que gosto de esmagar bolas de lentiscos debaixo do meu nariz?" (1)
Há cem anos nascia um dos grandes
(a palavra é pobre para o exprimir) pensadores sobre a condição humana. Foi
identificado como um dos que pertenceu a um século onde alguns homens pensavam
a sociedade ou para indicar possibilidades ou para forjar caminhos
alternativos, os chamados intelectuais. A palavra não lhe faz completa justiça,
pois ele foi sobretudo uma voz moral, acima da pequena política, das intrigas
de palácio, onde soube falar sobre a natureza humana e dar-nos esse ânimo na
voz que caminha entre a desistência mais passiva e o não afirmativo, comprometido,
solidário por uma causa. A sua causa foi a da democracia da beleza, conceito,
nobre à procura de uma revolução, sim a a da vida, como ele também expressou.
Filho de outro continente, das
geografias humanas colonizadas, dessa mistura de povos e culturas, filho nas
margens da sociedade, cultivou a resistência e o estudo como a verdadeira porta
para se ser livre. É assim filho dessa ideia, que a França cultivou de que uma
educação republicana, poderia fazer nascer um País desenvolvido. E escreveu
sobre nós, as nossas ambições, a fragilidade humana na efemeridade do tempo e
os valores morais que devemos vestir em qualquer contexto. Tony Judt chamou-lhe o 'Melhor homem de França' e esta sente-lhe a falta, desde que se tornou passivamente indiferente à contemporaneidade.
Escreveu O estrangeiro, A peste,
O mito de Sísifo, Os discursos da Suécia, A morte feliz e O primeiro homem. Foi
Prémio Nobel da Literatura em 1957 e é das poucas vozes coerentes do século XX
onde podemos ainda ver o caos e a angústia dos tempos modernos como uma forma
de expressão da humanidade, da nossa natureza. Compreendeu os limites das
tiranias do século XX, antes de algumas das suas vozes mais sonantes e
devemos-lhe isso, essa coerência pelo que somos. Caminhou sozinho, com a voz interior de um oráculo que se quer descobrir a si nos outros.
Essa felicidade que procurou,
que procuramos, entre múltiplas imagens, na procura da memória mais bela a
fundir no sonho, entre o universo visível que nos é dado a ver e a nossa
experiência humana. Chama-se Albert Camus e nasceu há muitas décadas para que o
visitemos nestes tempos obscuros que exigem um conhecimento de um homem essencial
do século XX, de múltiplos séculos, nessa luta essencial entre o absurdo e a
revolta, para a construção do possível humano.
(1) citado de Maria Luísa Malato, "Lumières d'Albert Camus
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