sábado, 25 de maio de 2013

A casa desmedida III

A casa que, como a quinta, aparece em versos e contos que escrevi, era desmedida. Um casarão do século XIX com grandes janelas, grandes portas, tectos altíssimos e ao centro um enorme átrio, para onde  davam todas as salas do andar de baixo e a galeria do andar de cima. No alto uma imensa clarabóia iluminava a sucessão dos espaços. 

Por mais atentos que fossem os adultos era maravilhosa a liberdade das  crianças nessas casas grandes. Era possível passear uma hora no telhado, ou vaguear na cave, ou comer fora de horas, ou tocar piano na sala de baile sem que ninguém desse por isso.E também ninguém atendia o telefone, fixado numa parede da copa e que durante horas tocava sozinho. O tempo (naquela época) parecia espaçoso como mas casas - quem falava do lado de lá não tinha pressa.

Não era como agora quando numa casa muitas e muitas vezes mais pequena corro desabalada para o telefone e mal o toco logo ele se cala. Um dia, a correr para o telefone, parti um pulso - e mesmo assim amigos meus me dizem que tentaram falar para minha casa mas ninguém atendia. O homem actual perdeu o Tempo.Na minha infância e na minha adolescência os dias eram compridos e, apesar do colégio e dos estudos, cheios de horas livres, de demoras em que se podia cismar. Como disse Goethe, "o ócio é o trabalho do poeta".

(Originais integrados na exposição da Biblioteca Nacional e disponíveis a todos a partir de 2016)

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