domingo, 7 de abril de 2013

Porto, a cidade onde me sonhei...

Quantos que por aqui nasceram não gostariam de escrever este texto que é um inédito de Sophia? Aqui fica para uma dedicação sentida à cidade das camélias e do granito.

 "Nasci no Porto.
Ali estão as tílias enormes, as manhãs de nevoeiro, as praias saturadas de maresia, os rochedos cobertos de algas e anémonas, as Primaveras botticellianas, os plátanos, a cerejeira, as camélias. Ali o rio, as casas em cascata, os barcos deslizando rente à rua nas tardes cor de frio do Inverno. Ali, o cais da Ribeira, os rostos, as vozes, os gritos, os gestos. Uma beleza funda, grave, rude e rouca. Escadas, arcadas, ruelas abrindo um rosto emergindo do fundo do mar da vida. Porque ali é a cidade onde pela primeira vez encontrei os rostos de silêncio e de paciência cuja interrogação permanece. Porque ali é o lugar onde para mim começam todos os maravilhamentos e angústias.

Cidade onde sonhei as cidades distantes, cidade que habitei e percorri na ilimitada disponibilidade  interior da adolescência. Descia pelo Campo Alegre, passava a Igreja do Lordelo, seguia entre muros de jardins fechados. Através das grades de ferro dos portões viam-se redodendros, buxos, cameleiras. Depois surgia o rio e ao longo do rio caminhava sobre a balaustrada de pedra, até à barra até aos rochedos onde saltam as ondas. (...)

E o Porto onde vivi a adolescência e, em parte a juventude foi também a cidade onde encontrei uma cultura que não vivia ao sabor do tempo e da moda. Ouvíamos Mahler muito antes de Mahler estar na moda. Estávamos longe de grupos literários. Falávamos pouco ou nada de avant-garde. Líamos tanto o Proust. Líamos as Canções de Amigo, Horácio, Goethe, Rilke, Lorca. Os concertos eram longamente escutados, religiosamente recordados.

Sem dúvida a cidade tinha as suas convenções, estreitezas e praxes. Mas em contrapartida o cabonitismo e o arrivismo eram coisas raras. Porque nasci no Porto sei o nome das flores e das árvores e não escapo a um certo bairrismo, mas escapei ao provincianismo da capital".

Sophia, Do espólio a abrir ao público em 2016 (cedido pela família e publicado na Ler)   


Imagem, de José Paulo Andrade, "As duas pontes"
in http://www.pbase.com/jandrade/image/96569584

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