De Zenão conheciam-se já as ideias: era o Negador das Coisas Evidentes. Dizia e repetia: o espaço não existe, o tempo não existe, o movimento não existe. O mundo inteiro tinha para Zenão o mesmo som: se os nossos ouvidos são incapazes de escutar a unidade não culpemos o Músico, o Grande Músico, não o julguemos inexistente, culpemos, sim, os ouvidos, a degradação terrestre dos órgãos que nos foram oferecidos.
O problema foi então um: negar a realidade é negar também as hierarquias. É negar o escravo e negar o rei. Se com este raciocínio, o primeiro pode entusiasmar-se, o segundo, esse, pode não perdoar. Assim foi: o tirano ouviu e não gostou. Zenão negava o seu poder?
É preciso que admita publicamente o seu erro, ou então que não mais o possa cometer, forma exacta de afirmar: então que morra! Porém como o poeta, Zenão, perante o poder tinha um lema: "Resistir muito, obedecer pouco." Lema tanto audaz quanto perigoso. É que aos tiranos podemos dividi-los em duas espécies: os que admiram mais a audácia do que a temem, e os outros. Em definitivo: o tirano que se cruzou com a vida de Zenão era dos outros. (...)
O que se disse de um povo poderia dizer-se assim de Zenão: o que ele deve ter sofrido para conseguir ser tão sábio. Pelas ideias, durante a vida, tornara-se filósofo. Pela resistência à dor, próximo da morte, tornara-se um quase-deus; um sábio. Antes de terminar uma última nota. Que não se confunda: esta não é a biografia de Zenão, mas sim a biografia do tirano responsável pela sua tortura e, por fim, pela sua morte. O nome? Que importa? Todos os tiranos têm o mesmo nome. (pág.
Gonçalo M. Tavares, "A história dos tiranos". Histórias Falsas. Caminho. 2014.
Sem comentários:
Enviar um comentário