domingo, 23 de agosto de 2015

Eleições Legislativas - 2015 (9)

Há uma parte da oposição a este Governo e à coligação que ainda não percebeu no que está metida. (...)  

Mas vejo as coisas porque percebo do que, do lado da coligação, se é capaz de fazer quando se lhes toca nos interesses vitais, e estas eleições tocam em demasiadas coisas vitais para não serem travadas com todas as armas, e algumas são bem feias de se ver. Agressivos de um lado, frouxos do outro. 

E vejo os exércitos juntarem-se, com armas e bagagens, muito ódio social, porque é um combate social e político que se vai travar e o ódio mobiliza as hostes, e muita agressividade. Do outro lado, salamaleques, um medo pânico de falar de "mudança", a quase total ausência de críticas ao Governo, o emaranhar-se em explicações e desculpas. Sempre na defensiva, sempre ao lado, sempre a perder. 

Uma parte da oposição prefere objectivamente que tudo continue na mesma para manter o bastião da identidade, outra passa o tempo em actividades burocráticas e escolásticas, para o interior das suas contínuas divisões, enquanto o "maior partido da oposição" se entretém a mendigar "confiança" certamente porque não consegue lidar com os rabos de palha que vieram de 2011. 

O caso do PS é parecido com aqueles generais franceses de luvas de pelica a almoçar foie gras e champanhe, bem longe da frente, num castelo qualquer, com todo o tempo do mundo, enquanto os seus poilus morriam que nem tordos, ou fugiam para a retaguarda misturando-se com os civis, dependendo de que guerra se tratava. O modo como está o PS é devastador para toda a oposição, afecta as candidaturas presidenciais, permite o ascenso de candidaturas patrocinadas no seio do PS pela coligação, tem o duplo efeito de esmorecer e radicalizar, ambos processos de isolamento que abrem caminho para a assertividade e o espírito ofensivo da coligação. 

A propaganda da coligação, assente num castelo de cartas que ruirá ao mais pequeno vento, como aliás o ex-amigo próximo, o FMI, diz, não é desmontada com clareza e frontalidade, porque os compromissos nacionais e europeus do PS são demasiados. A maioria muito expressiva dos portugueses que recusam este Governo, um dado sempre constante nas sondagens, não encontra no sistema político uma resposta. E, mesmo que existissem novos partidos que dessem corpo a esse descontentamento, a maioria dos partidos representados no parlamento, não quer competição e encarrega-se de os calar na comunicação social, com a colaboração da comunicação social. 

Por seu lado, os portugueses que sofreram, sofrem e sofrerão a crise estão cada vez mais invisíveis. Não desapareceram, o seu sofrimento social aumenta com a passagem do tempo, mas não conseguem ultrapassar o ecrã do "sucesso" que 10 mil ministros e secretários de Estado fazem todos os dias. Num dia são as mulheres, noutro dia são as crianças, no terceiro dia são os velhinhos. É só caridade e bondade a rodos. Com a cumplicidade acrítica de muitos que na comunicação social andaram a louvar as virtudes do "ajustamento" e por isso selam o seu destino também com o destino da coligação. O PS, por sua vez, como andou estes anos todos a fugir da contestação social, continua a preferir os salões. 

José Pacheco Pereira, "PARA QUEM AINDA NÃO PERCEBEU NO QUE ESTÁ METIDO". Abrupto. 14.08.15.
Imagem - © Victoria Ivanova

Eleições Legislativas - 2015 (8) - Ler para compreender (VII)

Foi o consenso em orno deste bem-estar - liberdade, trabalho, Estado social e lazer - que permitiu a estabilidade política, estabilidade que, num aparente paradoxo, levou à destruição desse mesmo consenso. Quer isto dizer que os direitos em Portugal dependem de fortes lutas sociais. E os momentos de estabilidade política, o maior dos quais entre 1987 e 2010, foram os momentos de erosão dos mesmos direitos, pela confiança que a população depositou no Estado e pela escassez de activismo político que deu carta-branca ao poder. Sem esse compreensão é impossível sabermos de onde vimos e para onde vamos. (p. 33)

Para onde vai Portugal é um livro que tenta combinar o ensaio com a análise histórica procurando discutir que caminhos de sociedade se podem concretizar nos futuros anos. O livro inicia-se com o lançamento de uma questão, para onde vai o País? O livro procura oferecer um conjunto de reflexões sobre as possibilidades de um desenvolvimento económico ou de manter e agravar a regressão social. Procura analisar o significado político do Estado social e de como o emprego é uma ferramenta de desenvolvimento do País. Para onde vai Portugal faz uma análise sobre um dos mistérios da história contemporânea portuguesa, a baixa participação política dos portugueses e o modo como as organizações sindicais não conduzem uma participação de denúncia de injustas agregando pessoas em movimentos de protestos. O livro organiza-se nos seguintes capítulos:
  • Cap. 1 - Tudo o que é sólido desfaz-se no ar;
  • Cap. 2 - Para onde vai Portugal?;
  • Cap. 3 - O "Memorando de Entendimento": acumulação por expropriação;
  • Cap. 4 - Para que serve um Estado se não é social?;
  • Cap. 5 - Pão e poesia, sexo e amor: o espectro da humanidade.
  • Cap. 6 - De onde vimos?

Para onde vai Portugal procura muito discutir os fundamentos de uma sociedade bloqueada. Procura incentivar a construção de linhas de relacionamento de sociedade de maior partilha e discussão com as pessoas. Neste sentido promove muito um diálogo ao serviço de um compromisso social transformador. Discute os valores e os costumes e a necessidade de prevenir conflitos sociais que se irão avolumar por uma caminho que tem sido o de capturar a riqueza do trabalho e dá-lo a grupos controlados ao poder.

Esquece um pouco os aspectos simbólicos, como os que Eduardo Lourenço ou José Gil têm enunciado, um real que não se assume no quotidiano. É sem dúvida um livro sobre caminhos que importa pensar. As eleições legislativas são momentos de escolhas e as propostas de Raquel Varela dão um imenso contributo para que sejamos uma sociedade decente e solidária para com os famintos e os audazes de caminhos de felicidade. O livro revela um conhecimento profundo da História Contemporânea e isso dá-lhe linhas de análise que fundamentam um caminho que importa analisar e construir.

Eleições Legislativas - 2015 (7) - Ler para compreender (VI)

No reino da austeridade nunca há cortes cegos. Os seus ideólogos têm sempre uma retórica de justificação preparada que serve acima de tudo para dar uma aparência técnica a decisões que não são senão escolhas políticas. Despedir não é despedir, é racionalizar e isso é a ferramenta de um domínio ideológico sobre as pessoas. A elite económica de Portugal viveu e vive claramente a cima das nossas possibilidades. Capturou o Estado e faz dele o alicerce da sua acumulação de riqueza, descapitalizando-o para o exercício das funções que uma sociedade frágil e pobre exige. Zomba da lei e do interesse público. E, no fim, ainda tem o desplante de fazer para a sociedade que os alimenta a apologia da miséria. (Págs. 70, 71 e 76).

Linhas Vermelhas é um dos livros mais interessantes saídos nos últimos meses sobre a realidade económica, social e política do País. Linhas Vermelhas no sentido de um farol de mínimo de decência e dignidade que não deve ser transposto. O livro do professor de Coimbra na área dos estudos sociais organiza uma reflexão sobre algo essencial e que os media costumam ignorar, para benefício do governo, a linguagem e o que ela esconde, e o âmago de uma construção ideológica que parte do discurso da crise para implementar o seu modelo neoliberal contra as pessoas e de favorecimento dos grupos monopolistas e agentes políticos que os servem. O livro organiza-se em sete capítulos, a saber:
  • Cap. 1 - De como aqui chegar ( A Dívida como principal referência da luta política e a austeridade como ferramenta ideológica e política);
  • Cap. 2 -Quem é o interesse nacional (Do discurso oficial do empobrecimento, da diminuição dos custos do trabalho como construção ideológica);
  • Cap. 3 - A crise-como-política (A dupla centralidade do discurso da dívida, como reconfiguração de Portugal e a sua periferização no campo europeu e o dispositivo de redução da resistência social e a alteração preversa dos contratos de trabalho); 
  • Cap. 4 - A governação europeia de Portugal (O modelo de apropriação por governos de direita na formulação ou nas práticas e a sua instrumentação pela União Europeia para a construção de um domínio político e esvaziamento da cidadania);
  • Cap. 5 - O mundo inteiro (Os povos esquecidos perante uma ideia de miséria cultural e social - o Eurocentrismo);
  • Cap. 6 - Em sentido contrário (Conhecer a realidade, aprender a sua formulação para romper e procurar uma nova ética para uma nova óptica, ou a necessidade de um desobediência organizada e solidária contra uma Europa, em nome da defesa dos que não têm voz, contra a insustentável pobreza);
  • Cap. 7 - Conta-me como  será (Do País pobre, do esvaziamento político da democracia e da anulação das pessoas como elementos culturais e humanos).
Linhas Vermelhas desmonta com eficácia a incompatibilidade de um discurso político que ilude as pessoas ao assumir coerência entre mercados e democracia. É esta que se desmonora com a destruição da dimensão económica e que conduz a um enigmático autoritarismo social. Linhas Vermelhas no sentido mais racional conduz o discurso necessário para que as esquerdas se repensem e sejam um espaço de discussão para a ideia essencial de reestruturar a dívida. 

O País só poderá ser uma democracia real se essas alternativas tiverem alguma expressão. E como vemos, a ausência de discurso de fractura com o que empobreceu os cidadãos tomado pelo PS sem discussão do que é decisivo para as pessoas revela que o caminho é outro. O de pensar a decência e combater uma narrativa ideológica de desprezo pelos valores humanos e a vida colectiva que tenha sentido para todos. Linhas Vermelhas é um contributo para pensar as alternativas e fazer com que as eleições sejam mais que alternância sem alteração substantiva de nada.

sábado, 22 de agosto de 2015

Eleições Legislativas - 2015 (6) - Ler para compreender (V)

Os povos serão cultos na medida em que entre eles crescer o número dos que se negam a aceitar qualquer benefício dos que podem; dos que se mantêm sempre vigilantes em defesa dos oprimidos, não porque tenham este ou aquele credo político, mas por isso mesmo, porque são oprimidos e neles se quebram as leis da humanidade e da razão; dos que se levantam, sinceros e corajosos, ante as ordens injustas, não também porque saem de um dos campos em luta, mas por serem injustas; dos que acima de tudo defendem o direito de pensar e de ser digno. (1)
(1) - Agostinho da Silva, O Terceiro Caminho, Diário de Alcestes [1945], in Textos e Ensaios Filosóficos I, p. 217.
É um livro pequeno, sintético de um desastre chamado Portugal e aquilo que do PS ao CDS tem sido feito contra uma identidade nacional e o que importa mudar para que a pátria de Camões possa realmente ser chamado de País. Paulo Morais, desde 2011, quando saiu da vereação da habitação, da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia iniciou um campanha cívica capaz de desmontar o que de mais prejudicial tem negado uma vida de dignidade a largos milhões de portugueses. Esse factor em que ele insiste tem o nome de corrupção. É de facto nela directa e indirectamente que processos de ilícitos se deitam na indiferença política das maiorias, nas leis formuladas e não praticadas, numa sociedade esquecida de crianças, de velhos e de representação do seu próprio território.
O livro organiza-se em alguns tópicos, a saber:
  • Os princípios constitucionais;
  • O funcionamento das Instituições;
  • A corrupção e a pobreza do país;
  • A destruição do património - as privatizações;
  • A mentira e a transparência na política.
Partindo de um quadro que conhecemos e que resulta numa sociedade controlada por partidos, sem representação institucional nas pessoas, com uma justiça também ela assimétrica, Paulo Morais em Janela do Futuro, propõe um conjunto de ideias. Estas implicam coragem, uma Presidência da República que realmente represente institucionalmente um País, um programa anti-corrupção e uma transparência, capazes de devolver aos cidadãos as possibilidades de contribuir para uma sociedade de todos. 
É um livro que se lê como um programa de mudança. Participar na construção de alternativas que não sejam a manutenção dos privilégios dos instalados no poder político e na finança implicam também que as pessoas participem. São os povos esclarecidos, os que lutam contra a injustiça, os que podem mudar e influenciar a sua vida e a dos outros. Este conjunto de mudanças essenciais implicam um conhecimento e uma atitude de todos nós. É essencial a participação de todos, para contrariar os privilégios que os partidos do sistema têm provocado em minorias não eleitas.

Eleições Legislativas - 2015 (5) - Ler para compreender (IV)

A ideologia de empresa neoliberal constrói com o silêncio e a auto-exploração novas formas de capitalismo, diferentes mecanismos de coação sobre as pessoas, sobre a liberdade, sobre o fundamento mais antropológico do ser humano. A ideologia neoliberal transforma cada um, quando incapaz de metas estabelecidas no ser desprezível, responsável pelo fracasso de um sistema que se fundamenta a si próprio pelo lucro, a maximização do poder dominado nas empresas e relacionado com os agentes políticos. É o domínio do biopoder que Deleuze e Foucault afloraram, mas que tomou dimensões ainda mais trágicas para a decência e para uma civilização que ainda se possa dizer humana. 

Nesta dominação psicológica de biopoder recursos nacionais têm sido destruídos para a construção de um domínio ideológico centrado em empresas que se comportam sem valores éticos, os psicopatas para quem não existe comunidade, apenas negócios. Estes centrados numa estratégia essencial de privatizar tudo, revelam todo um corpo de cedência de interesses a grupos monopolistas e em prejuízos para o Estado que devem ser onerados pelos cidadãos. A cartilha é conhecida. É importante ter os dados e saber os autores dessa estratégia suicida para o País, como comunidade de pessoas. Mariana Mortágua e Jorge Costa dão-nos um livro que desmonta esse processo feiro no País desde os finais do século XX, justamente Privataria.

Os programas de privatização buscavam os seguintes objectivos:
  • promover o reforço de competitividade da economia portuguesa;
  • dinamizar o mercado de capitais;
  • reestruturar e reforçar os sectores produtivos da economia nacional;
  • melhorar a situação financeira de empresas incluídas no sector público;
  • contribuir para a redução da dívida pública;
  • diminuir o peso do Estado na captação de recursos financeiros;
  • defender os interesses patrimoniais do Estado. (p. 156)  
Qualquer cidadão informado e que tenha por aqui vivido nas últimas três décadas conhece o que tem sido a transparência das políticas seguidas por PS, PSD / CDS que é basicamente a mesma, a da destruição de um património que poderia garantir formas e recursos de desenvolvimento sustentado. A classe política saída do golpe militar do 25 de Abril não tem ideias próprias, segue em décadas de atraso o que vê lá fora. There is no alternative é pois caminho de uma esquerda sem esquerda, à direita da avidez antiga. Privataria apresenta-nos os dados e os nomes. Os privilégios da banca e os monopólios favorecidos, a GALP, a CIMPOR, a EDP, a PT, a ANA, o BPN, os CTT e a TAP, e os sagrados nomes dos iluminados, nas ligações que do PS ao CDS corporizaram um saque ao País.

Privataria demonstra o que sabíamos. Elas foram a estratégia para criar um regime económico de favorecimento a poucos grupos económicos que consolidaram o seu poder e alimentaram relações de promiscuidade com os agentes políticos. O actual Presidente da República, o seu partido, o excelso gestor Ferreira do Amaral, mas também o PS com a inefável coerência de Jorge Coelho, ou a Mota Engil ou a estratégia universal de competência do Srº Bava e dos agentes no governo, os CEO do milénio tudo se comprova. A lista é só estrelas dos media e da comunicação cor-de-rosa em que o país é fértil. Somos pobres porque somos desgovernados por interesses mesquinhos.

Privataria revela o que foi a privatização em quarenta anos de regime pós- Estado Novo. Um crime contra o país, praticado consciente e reiteradamente (p. 156). A opção de destruir as capacidades produtivas iniciadas pelo deslumbrante srº economista,  a destruição do sector público, o endividamento para o estado e as rendas para os protegidos accionistas levou a uma dívida pública de níveis nunca atingidos ao longo de todo o século (p. 156). É o brilhantismo do neoliberalismo ou a desastrada incompetência de uma terceira via que o engenheiro Sócrates alimentou em vaidades sem nexo. 

Na verdade nenhuma privatização melhorou o desempenho da empresa que foi vendida, porque e essa é outra mentira dos neoliberais. Em igualdade de funcionamento os privados fazem sempre pior. A privatização é um crime contra o País porque altera substancialmente o modo como os preços são definidos, como os serviços são prestados e rompe com os interesses / direitos públicos. Porque em muitos casos tratam-se direitos de comunidades, sim quer falemos de comboios, de saúde ou de serviços de correios. 

A privatização fez aumentar as desigualdades entre as pessoas, destruiu formas evidentes de coesão nacional e alterou negativamente a própria identidade do território. O neoliberalismo, receita do PSD / CDS para o País e aceite em formatos de incerteza e pouca convição pelo PS conduzem a uma sociedade  que Byung-Chul Han designou Psicopolítica, ou  seja a construção de territórios onde as pessoas sujeitas a um domínio de informação praticam comportamentos condicionados em níveis subconscientes por um poder totalitário, embora pareça formalmente livre. O neoliberalismo é incompatível com uma ideia de liberdade, onde existem pessoas que não são sujeitos, mas "apenas uma existência floral: simples abertura à luz". (1)

(1) B Strauss, Litcher des Toren. Der Idiot und seine Zeit, p. 175, citado de Byung- Chul Han. (2015). Psicolopoítica. Relógio DÁgua, p. 156. 

Eleições Legislativas - 2015 (4) - Ler para compreender (III)

Os primeiros anos do século XX escreveram as linhas de uma narrativa que daria aos neo-liberais as portas do seu saque civilizacional. A social-democracia terminava a sua respiração e a esquerda, a que institucionalmente gosta de se chamar isso oferecia à direita a velha avidez na qual esta sempre se reviu. O que vivemos é a construção de um mundo de psicopatas dominados por empresas e agentes, onde os direitos humanos são não só irrelevantes, como matéria-prima de desprezo.

Nessa história de horrores conduzida por bem falantes e ainda melhor vestidos, a política como um guarda-fato de eleição vale a pena identificar  os que se conduzem pelo espírito do tempo. Votar numas eleições é muito saber que escolhas de valores humanos estão em discussão e embora os candidatos gostem do silêncio em salas de talheres barulhentos e louça fina não é difícil perceber essa atmosfera. O caso dos submarinos é um deles.

Ele comprova como as empresas e um Estado distraído promovem o sono da cidadania, retirando fundos essenciais ao que mais importa, justamente as pessoas. É evidente ao mais simplório dos indivíduos que um país como Portugal não tem nenhuma necessidade de ter armas de guerra sofisticadas como submarinos, excepto quando se pretende fazer a narrativa da glória e do poder feito em si, não na decência de milhares de cidadãos. A direita tem reconhecidamente uma simbologia de vaidade e políticos vaidosos expressam sumptuosamente os seus delírios. 

Os Psicopatas, no seu sentido empresarial é alimentado em negócios cuja virtude de maximização, apenas deve procurar ao lado de todo o lucro, que todos os mecanismos de realização apareçam não revelados. O arquivamento de processos em que se prova, não que ilícitos não tenham acontecido, mas apenas que os dados encontrados não permitem uma conclusão já é suficiente.  José Magalhães dá-nos em Submarinos.PT um livro que expõe todo o processo judicial decorrente da compra pelo Estado Português feita pelo governo PSD/CDS a um consórcio alemão de um conjunto de submarinos. Existem muitas lacunas no apuramento dos dados. Eis os mais significaticos:
  • A condenação na Alemanha não trouxe elementos para o processo em Portugal, por via de um pacto de justiça local;
  • A linha de pagamentos devidos ao Fisco tem uma rota de labirinto construída para dificultar o processo de averiguação;
  • Os depósitos feitos em offshores demorou anos a ser revelados e mesmo assim nunca abriu o horizonte do fim do percurso;
  • Houve destruição de provas dentro e no âmbito do Estado Português;
  • Houve falta de comunicação em tempo útil entre o Ministério Público, o Tribunal de Contas e o Parlamento;
  • Não há justificação pertinente para ter sido o Banco Espírito Santo, o financiador do projecto, "pelo desaparecimento de documentos e pelo anúncio pelo pai do negócio que o vencedor foi escolhido por leilão" (p. 18).
Apesar do Ministério Público ter suplantado em eficácia o Parlamento, que em mais um inquérito ficou a planetas da desenvoltura de investigação necessária, o processo dos submarinos revela que figuras do Estado e seus actos podem ser encobertos pela própria organização de entidades que na justiça têm estatuto e funcionamento diferenciado.  Uma pergunta final?

Bastará então a qualquer protagonista de um negócio entre Privados, Estado e Banca poder recorrendo a formas de construção em sociedades que sujeitas a algumas leis estrangeiras permitam  ultrapassar a lei penal contornando e iludindo passos essenciais do mesmo? E desta pergunta, uma constatação, uma ideia que a oposição esclarecida do PS não se vê fazer. Que peso têm estes pagamentos, estes gastos desmesurados num instrumento de guerra e glória no peso da balança comercial e do déficit do País? 

Seria importante fazer essa pergunta a quem liderou este processo e todos dias nos celebra de inteligência e verdade, com a sua ideia de que a esquerda gasta o que não tem, com o dinheiro dos outros.Não é possível fazer escolhas sem conhecer a realidade, as sombras de figuras envernizadas em faz-de-conta, sem a imóvel paixão do dinheiro e do poder que atravessam uma política sem decência pelas pessoas. Think of it!

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Eleições Legislativas - 2015 (3) - Ler para compreender (II)

The Corporation, file canadiano de 2005 dá-nos uma imagem de grandes empresas que dominam hoje grande parte das decisões que se tomam neste planeta. A Monsanto tenta impedir agricultores indianos de produzirem  as suas sementes. A Carlyle compra presidentes. A Halliburton vende guerras. Centenas de empresas patenteiam códigos genéticos, fazendo da nossa identidade o maior negócio do futuro. Estes monstros económicos são um perigo para as nossas democracias, para a nossa liberdade e para a nossa saúde. São estas obras de Frankenstein que aqueles que se dizem liberais vêem como modelo para as nossas vidas. Psicopatas.


Fernando Pessoa deixou-nos das suas múltiplas marcas a ideia essencial e transformadora que o pensamento, a capacidade de pensar e compreender o que nos rodeia como a mais viva forma de exprimir a inteligência. Daniel Oliveira é um jornalista que se tem dedicado a comentar a realidade, a analisá-la e perceber como os dias da sociedade são definidos. Antes de se terem propostas ou ideias genuínas é preciso possuir algo que uma grande maioria dos comentadores revela em profunda ausência - honestidade intelectual. Daniel Oliveira tem a graça de achar que a política pode ser um campo de luta de argumentos para o esclarecimento que nos pode ajudar a perceber os mecanismos ocultos de formas sociais onde não notemos a justiça, o cosmopolitismo, os princípios fundamentais da liberdade. 
A Década dos Psicopatas é um livro de crónicas, uma selecção de entre as muitas que Daniel Oliveira vem escrevendo no Expresso há já um conjunto significativo de anos. O livro está organizado em cinco capítulos com temáticas específicas:
  1. Românticos e Avençados -  A crise na era dos liberais;
  2. O Espírito da Igualdade -  Estado social e redistribuição;
  3. O dia da Marmota -  Portugal político;
  4. Leões e cordeiros -  O estado do mundo;
  5. A marcha dos pinguins -  Costumes, civilização e media. 

Daniel Oliveira resgata neste livro uma luta por ideias, um rigor pelos factos com que pretende influenciar o real. Vemos nele essa imaginação da alma que procura compreender o modo como vivemos e nesse sentido abrir caminhos para o conhecimento dos outros. O estado deplorável do País, as más escolhas, as cartilhas copiadas, "There is no alternative", as instituições sem soberania pela sua própria ausência cívica estão aqui retratadas. 



A Década dos Psicopatas é um livro a ler pela irreverência com que nos detalha os costumes, a desigualdade social, a pobreza e as falsas argumentações de uma cidadania que se pretende destruir. Sem conhecer não é possível pensar em alternativas. É isso que os partidos se esquecem. Falar das pessoas e das suas dificuldades. Se erramos persistentemente em sombras e em dar voz a quem não nos quer dar voz é apenas e ainda pelo esquecimento que votamos ao mais essencial. A Década dos Psicopatas é um livro para o compreender. Já fez o mais importante - chegar até nós!