sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

No golden gate

A casa onde às vezes regresso é tão distante
da que deixei pela manhã
no mundo
a água tomou o lugar de tudo
reúno baldes, estes vasos guardados
mas chove sem parar há muitos anos

Durmo no mar, durmo ao lado de meu pai
uma viagem se deu
entre as mãos e o furor
uma viagem se deu: a noite abate-se fechada
sobre o corpo

Tivesse ainda tempo e entregava-te
o coração. (1)

Foi há cinco anos que a Madeira amanheceu com um aluvião que levou na corrente sonhos, memórias e quotidianos. Nas palavras e no coração as memórias de uma paisagem humana que foi preenchida pelos nossos sonhos, mesmo agora que a tragédia nos faz duvidar das paredes e dos aromas que aqui experimentámos. Fernando Alves, com a magia e a sabedoria de quem olha com espanto o real que nos é dado a viver, deixa-nos um podcast que dispensa apresentações. A ouvir como uma oração. Aqui

                   (1) José Tolentino Mendonça in A que distância deixaste o coração

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Agostinho da Silva - o exercício da simplicidade

É para todos os dias que precisas de educar e afinar a alma; é para te sentires o mesmo em todos os minutos que deves dominar os impulsos e ser obstinadamente calmo ante as dificuldades e os perigos, as alegrias e os triunfos (...) 

O que a vida apresenta de pior não é a violenta catástrofe, mas a monotonia dos momentos semelhantes; numa ou se morre ou se vence, na outra verás que maior número nem venceu nem morreu: flutua sem morte nem esperança. 

Não te deixes derrubar pela insignificância dos pequenos movimentos e serás homem para os grandes, se jamais te faltar coragem para afrontar os dias em que nada se passa, poderás sem receio esperar os tempos em que o mundo se vira. (1)

Os dias são um equívoco de liberdade e decência. O país é essa metáfora de que Eça falava como uma alegoria do nada e as instituições são essa mendicidade do espírito. Ele foi maior que este território, de uma universalidade contagiante de luz e sabedoria e onde as ideias e o conhecimento poucas vezes foi tão veemente no seu brilho.

Chama-se Agostinho da Silva, nasceu no Porto, espalhou a luz fundadora das ideias em vastos continentes e foi uma das mais importantes figuras do século XX. Percebeu o mundo que emergiu das crises sociais e políticas e deu-nos o valor da coragem e do exercício da liberdade.

Como Sá de Miranda ou Torga, entre outros, esteve impedido de dar o seu contributo no desenvolvimento do País e esteve ausente da germinação de uma ideia cultural que o fizesse transformar num espaço de desenvolvimento humano, de que permanece afastado por longas décadas. 

Com Agostinho da Silva compreendemos como sem ideias não existem possíveis e que a generosidade do saber, a sua curiosidade é o que nos levanta das manhãs incertas. Nas aparências de liberdade que alguns cozinham em palácios de papel, jamais se descobrirá o valor da ideia, como motor do desenvolvimento humano. Relê-lo é destruir as teias de aranha do círculo do poder, alimentado em rituais de irrevogabilidade de circunstância. 

(1) Agostinho da SilvaIr à Índia sem abandonar Portugal e outros textos
                 

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Um governo de medo e mentira (VI)


"Não quero ser eleito para dar emprego aos amigos. Quero libertar o Estado e a sociedade civil  dos poderes partidários." - Twitter - Pedro Passos Coelho (dois de junho de 2011)

"O Governo já fez 14 das 18 nomeações definitivas para as direcções dos Centros Distritais da Segurança Social.

Em todos os casos são do PSD ou do CDS e quase sempre mantêm-se os rostos escolhidos politicamente, antes do concurso. Mandatos são de cinco anos". (Fonte - Jornal de Negócios). 

Na véspera de mais despedimentos, entre educadores, professores e assistentes operacionais, O Grande Irmão vela pela boa saúde da economia e da sociedade. São os donos deste pequeno país, calado, nas fronteiras da demência. "Olhos abotoados" e "descontentes sem romantismo", falou de nós assim Torga. Acordemos e denunciemos de todos os modos a mentira. Sejamos criativos. O presente e o futuro somos nós, não os do saber empacotado e nunca demonstrado. Acreditar na história fantástica, de um amor que cresce sobre as engrenagens de um poder sem fundamento e indecente de humanidade. 

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Leituras - Curso Intensivo de Jardinagem

(Poesia, entre uma representação formal de sedução das emoções nas palavras e na sensibilidade com que tenta evocar o silêncio do quotidiano, nos objectos, em nós, em tudo o que vivemos e perdemos. Um olhar que parte do feminino, para albergar outras formas de ver, de sentir, e que aborda a cidade e o que a envolve, entre a mais simples beleza e uma economia de meios. Uma poesia que se faz com o corpo, essa biologia que semeia e cultiva para ver as flores e as plantas e que alberga nas palavras os silêncios mais puros).

Nome comum: Jasmim-dos-Poetas

Nome comum: Jasmim-dos-Poetas
Percorria ao anoitecer os jardins
da cidade à procura das flores
oficiais - sobem amparadas
e perfumam com a memória
do chá as ruas irregulares.
Levava uma tesoura de unhas,
insuficiente e desnecessária porque
não colhia nada que fosse vivo.
Restavam-me frases livres, 
páginas dobradas, cadeiras desiguais
e os pratos vazios deixados
aos gatos.
O primeiro poema encontrei-o
numa dessas buscas
debaixo da árvore maior,
no ferro que sustenta a copa,
preso com uma mola da roupa.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

A orgia do dinheiro - o caso da TAP

"Logo que deixamos de valorizar o público sobre o privado, com o tempo viremos decerto a ter dificuldade em perceber porque deveríamos valorizar a lei (o bem público por excelência) em relação à força." (Tony Judt)

Os gregos, sim eles, perceberam muitos séculos antes desta era dita cristã, mas pouco civilizada, que era a participação, o conhecimento no modo ou tipo de governo que se tem, que permite formalizar um determinado sentido de comunidade. Esse sentido orienta uma ética essencial de quem governa e condiciona o autoritarismo. A década de sessenta, anos de reconstrução de uma cidadania, quadro em que Portugal não participou, viu emergir, uma ideia de social democracia. Desses dias nasceu uma geração de governantes, os políticos light, os que simplesmente não defendem nada em particular, que não seja a gestão de clientelas particulares. Todos se afirmam democratas, embora não saibamos sequer o que é a Democracia.  Portugal que não conheceu a social-democracia, viva agora na exaustão do movimento neoliberal.

Este movimento construído sob a desvalorização das instituições, funda-se numa classe política em que os interesses privados de especuladores financeiros, alimentando os centros de interesse global, dominados por centros estatais específicos, ou por entidades como o FMI, obliteram à Democracia a sua essência de liberdade moral. Processo incentivado por uma União Europeia colaborativa face à especulação que promove os interesses financeiros globais e a estratégia industrial da Alemanha. Aquilo que é designado por Democracia é um pequeno círculo fechado de verdades estilizadas, onde não há alternativa, nem sequer para imaginar. Portugal, sempre tardio na descoberta do universo, viu chegar nos últimos quatro anos os discípulos desta concepção de rara coragem moral no governo político.

A Democracia não vive sem uma participação das pessoas, sem a ideia de construção de uma comunidade, sem a valorização das instituições de organização política. Nunca, como no governo de senhores do "irrevogável", se assistiu à tentativa de pressionar e desmantelar o valor dos três poderes como o apresentou Montesquieu. A venda da TAP é apenas mais um episódio numa sucessão de casos dominados por um fundamentalismo neoliberal.

A privatização não é vista em Portugal, como uma forma de gestão funcional para melhor equilibrar as finanças públicas. A cedência ao privado de valores estratégicos, a construção de um capitalismo de rendas, de privilégio, para grupos sem visão de comunidade, ou de valor social, diz-nos muito sobre esta ideologia contra as pessoas e os valores humanos da decência. Iniciada pelos governos socialistas, também eles políticos baby boom, seria levado ao maior fundamentalismo pelo actual governo, construído numa estratégia de mentiras sucessivas e na demissão cívica da Presidência da República.

O plano de austeridade delineado pelo FMI, ou pelo Golden Sachs, antecâmara da Troika, propunha um conjunto de correcções ao peso do Estado e assim contribuir para uma finanças públicas mais equilibradas. Nada disso tem sido feito. Não há reorganização do Estado. Há destruição do trabalho, para oferecer ao privado os lucros. As oligarquias dentro do Estado estão intactas com as dependências ao privado, em domínios lucrativos para aquele. São os casos da ANA, da EDP, da REM, ou dos CTT. Não há aqui nenhuma gestão para o equilíbrio das finanças públicas, mas apenas a cedência aos grupos de interesse privados. É o estado, no seu sentido político contra as pessoas. A TAP é o mais claro exemplo deste fundamentalismo.

O plano da Troika não previa a venda da TAP. A sua opção é o cumprimento ideológico de dar tudo, e o mais possível aos do costume. A TAP presta um excelente serviço, tem sozinha realizado importantes investimentos e o conglomerado das suas empresas, à excepção do caso Brasil, tem promovido excelentes lucros. A venda da TAP é só a confirmação de uma linha ideológica que assume quatro linhas deploráveis de acção governativa: 1. Fanatismo ideológico, 2. Resultados globais medíocres; 3. Descrédito completo da acção política e 4. Desprezo pelo compromisso político e pela gestão equilibrada em comunidade.

Os excedentes de desemprego que promoveu e promove no espaço público, com destruição clara da qualidade e acesso na educação, justiça e educação, a subida da dívida pública de 72% em 2008, para os 130 %, em 2014, relativos ao valor do PIB revelam como as privatizações não serviram o equilíbrio das finanças públicas. As declarações de governantes que mudam entre  um dia e ou outro, negando o que antes afirmaram sobre a privatização da TAP revelam que são do género de pessoas em que não se pode acreditar. Um governo sem legitimidade política, alicerçado, nos esquecimentos da Presidência da República e na repetição de cartilhas nos media, pretende vender uma empresa que só pode ser benéfica para todos os portugueses. O governo que desconhece a palavra compromisso deve ser combatido por esse mal absoluto que é a sua governação - "o lixo do luxo" que é o seu alimento.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Grécia, once more

"As pessoas estão ao serviço das coisas". (1)

A Grécia já deu contas em passado ilustre de procurar a inteligiblidade do universo e a beleza da vida, as formas puras de olhar os dias com a ideia de descobrimento, de conhecer. A tarefa é difícil. Até num país de nada, como este, figuras e jornalistas quando vêem a sua epistemologia ameaçada nos contornos das certezas em que vivem atiram as suas palavras insignificantes contra a ousadia grega. Os fundamentalistas do capitalismo selvagem e os apóstolos que nas instituições financeiras e em lugares, ditos de soberania se dirigem ferozmente contra o sonho grego, estão a postos para não perder os lucros do seu negócio.

Os gregos ousaram. E num dia de celebração da memória do Holocausto, não é só na religião que está a ameaça da liberdade e de uma sociedade de expressão livre. É na pobreza orquestrada pelos grandes centros do capital, alimentados pelos doces governantes que em décadas de erros os financiam na sua oportunidade de tudo poderem, até de eliminar a respiração aos que trabalham. A necessidade e a possibilidade como direito é disso que se esquecem os que em palácios de papel riem do sonho grego.

Sonhemos com os gregos. Não sejamos preguiçosos. Lutemos pelo ideal mais puro. A capacidade de viver em decência numa sociedade onde as ideias, e não as coisas é que determinam a vida das pessoas e também por isso  a sua felicidade. Acordemos da letargia. Os gregos poderão não conseguir? É possível. Mas tentaram. Não há pior cobardia que ficar a olhar rendido na incerteza negra do amanhã e por isso de olhos vendados ao futuro.

                                     (1) - In O livro dos abraços - Eduardo Galeano)

sábado, 24 de janeiro de 2015

Memória de Churchill

You ask, what is our aim? I can answer in one word: It is victory, victory at all costs, victory in spite of all terror, victory, however long and hard the road may be; for without victory, there is no survival. (1)

Na usura dos dias e na arrogância de multidões de figuras políticas menores e irrelevantes, ele foi o homem político, aquele que soube analisar a realidade, verificar os factos, acima de qualquer vontade pessoal e perceber o mal que rodeava a Europa e o Mundo. E percebeu-o em diversas ocasiões. Percebeu-o na ascensão do nazismo, na ideia essencial de uma Europa que unisse culturas e que desse à velha Old Albion a sua individualidade própria e compreendeu-o na cegueira de muitos, o que iria significara as libertadoras manhãs das vitórias sem decência.

É, a figura do século XX, pelo que soube lutar, pelo que soube unir, pelo que soube inpirar nessa luta contra o mal absoluto do espírito - o nazismo. Disse-o, na altura da batalha de Inglaterra que "poucas vezes tantos deveram tanto a tão poucos". Afirmou solenemente no seu inglês de aristocrata "that ws shall never surrender", e foi uma figura nada linear. Foi conservador e liberal (quando esses conceitos tinham significado humano), grande orador, rebelde na palavra, das mais ousadas atitudes, que alguns aprendizes (os mestres do irregovogável) gostam de citar, apenas para fazerem parte deste universo que jamais compreenderam. Ele foi, por respiração, por necessidade de afirmar a sua ousa forma de celebrar um pacto com a comunidade, the old england land.

Devemos-lhe essa luta pela liberdade, essa crença, hoje perdida, que a democracia é a sede da construção de valores de cidadania suportada na lei, na representação de uma comunidade e na importância de ter uma abordagem que integre todos, que abarque as questões sociais e o valor do trabalho. Dialogou com a esquerda e a direita, para chegar a reais consensos que melhorem a abordagem das possibilidades, em que o quotidiano se formaliza.

Foi prémio nobel da literatura, construiu para si formas enigmáticas, nem sempre consensuais, mas com o brilho e a inteligência de quem luta por um ideal de serviço aos outros, à liberdade, como forma moral de uma sociedade. Viveu, na crença essencial que a decência e a dignidade das gerações são essenciais para as opções que se tomam. Morreu há cinquenta anos e a sua memória deve ser lembrada. Chama-se Winston Churchill e uma das suas páginas deixa-nos imensos recursos para o conhecermos melhor e honrar essa memória. Aqui.  

(1) - Winston Churchill; discurso na Câmara dos Comuns, depois de tomar posse como Primeiro-Ministro (13 de Maio de 1940)