
Aquela arrogância e aquela segurança sólidas que antes adivinhara na pessoa do vagabundo tinham-se insinuado nele como metal líquido, tinhamendurecido e formado uma armadura interior e tinham-no tornado mais pesado. Doravante já nada o poderia abalar, já nenhuma dúvida o poderia fazer hesitar. Atingira a serenidade esfíngica. Em relaçao ao vagabundo - quando o encontrava ou o via sentado em qualquer sítio -, experimentava apenas aquele sentimento a que geralmente se chama tolerância: um misto muito vago de repugnância, desprezo e compaixão. O homem já não o perturbava. O homem er-lhe indiferente. (...)
Sim, pode dizer-se que através dos seus olhos Jonathan já não recebia uma verdadeira imagem do mundo exterior, era como se os raios luminosos seguissem o caminho inverso, e os olhos só lhe servissem de portão de saída, para projectar no mundo as suas alucinações grotescas. (...) Como se ele Jonathan - o u oque dele restava -, não passasse de um minúsculo gnomo engelhado, metido na gigantesca carcaça de um corpo estranho, não passasse de um anão indefeso, preso no interior de uma máquina humana demasiado complicada e que já não conseguia dominar e governar à sua vontade, mas que era governada por si mesma ou por quaisquer outras forças, se é que alguma coisa a governava. "
(Uma fábula sobre os aparentes alicerces da vida das pessoas, das instituições e do poder simbólico que decorre da consciência e da forma como se assume uma função de esfinge ou de marioneta. Um pequeno livro sobre as armadilhas constantes com que o quotidiano nos absorve e a fragilidade em contacto muito íntimo sobre como o mundo nos olha e como o quotidiano está cheio de ilusões).
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