
Por breves instantes, talvez mais em Álvaro de Campos, nota-se um verdadeiro esforço para valorizar o Outro «És importante para ti porque só tu és importante para ti. E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?».
Mas mesmo aqui a sua escrita é decerto uma admoestação ao próprio e aos
seus súbitos delírios de insatisfação. Em Alberto Caeiro, a mesma descrença nos outros continua presente «Falaram-me
os homens em humanidade. Mas eu nunca vi homens nem vi humanidade. Vi
vários homens assombrosamente diferentes entre si. Cada um separado do
outro por um espaço sem homens.» Ricardo
Reis revela um Pessoa em constante combate com Deus e com a ideia da
existência de um ser superior. Para «calar» esse Deus, desenrola a sua
vasta cultura clássica, criando uma tal Lídia para o guiar no percurso
dessa revolta «Da verdade não quero mais que a vida; que os deuses dão vida e não verdade, nem talvez saibam qual a verdade.» Bernardo Soares é na minha perspectiva, o expoente da desilusão de Pessoa em relação tudo e todos «A mais vil de todas as necessidades - a da confidência, a da confissão é a necessidade da alma de ser exterior.
Confessa, sim; mas confessa o que não sentes. Livra a tua alma, sim, do peso dos teus segredos, dizendo-os; mas ainda bem que os segredos que digas, nunca os tenhas tido. Mente a ti próprio antes de dizeres essa verdade. Exprimir é sempre errar. Sê consciente: exprimir seja, para ti, mentir.»
Confessa, sim; mas confessa o que não sentes. Livra a tua alma, sim, do peso dos teus segredos, dizendo-os; mas ainda bem que os segredos que digas, nunca os tenhas tido. Mente a ti próprio antes de dizeres essa verdade. Exprimir é sempre errar. Sê consciente: exprimir seja, para ti, mentir.»
Fernando
Pessoa foi e continua a ser o paradigma da identidade perdida. Muitos
psicólogos e psiquiatras se debruçaram sobre a sua vasta obra,
descortinando nos poemas, uma possível esquizofrenia do poeta ou a tão
famosa hoje, doença bipolar. Muitos chamam-lhe génio, outros
consideram-no o maior poeta português de todos os tempos e ainda outros
nunca o leram. Gostando
ou não da sua obra, a verdade é que hoje, ela é, mais actual do que
nunca. Leva-nos a reflectir sobre o individualismo que caracteriza a
nossa sociedade, o consumismo versus o despojamento, os centros
comerciais versus o contacto com a natureza, a legitimidade das acções
versus os valores éticos das mesmas e o Eu versus os Outros.
Numa sociedade em que se conjuga o verbo sempre na primeira pessoa do singular está na altura de parar e reflectir: E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?»(Texto de uma amiga, que pela vida passou, num texto partilhado de outros caminhos. Na lembrança da Profª Ana Cristina Oliveira)
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