segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Grécia, once more

"As pessoas estão ao serviço das coisas". (1)

A Grécia já deu contas em passado ilustre de procurar a inteligiblidade do universo e a beleza da vida, as formas puras de olhar os dias com a ideia de descobrimento, de conhecer. A tarefa é difícil. Até num país de nada, como este, figuras e jornalistas quando vêem a sua epistemologia ameaçada nos contornos das certezas em que vivem atiram as suas palavras insignificantes contra a ousadia grega. Os fundamentalistas do capitalismo selvagem e os apóstolos que nas instituições financeiras e em lugares, ditos de soberania se dirigem ferozmente contra o sonho grego, estão a postos para não perder os lucros do seu negócio.

Os gregos ousaram. E num dia de celebração da memória do Holocausto, não é só na religião que está a ameaça da liberdade e de uma sociedade de expressão livre. É na pobreza orquestrada pelos grandes centros do capital, alimentados pelos doces governantes que em décadas de erros os financiam na sua oportunidade de tudo poderem, até de eliminar a respiração aos que trabalham. A necessidade e a possibilidade como direito é disso que se esquecem os que em palácios de papel riem do sonho grego.

Sonhemos com os gregos. Não sejamos preguiçosos. Lutemos pelo ideal mais puro. A capacidade de viver em decência numa sociedade onde as ideias, e não as coisas é que determinam a vida das pessoas e também por isso  a sua felicidade. Acordemos da letargia. Os gregos poderão não conseguir? É possível. Mas tentaram. Não há pior cobardia que ficar a olhar rendido na incerteza negra do amanhã e por isso de olhos vendados ao futuro.

                                     (1) - In O livro dos abraços - Eduardo Galeano)

sábado, 24 de janeiro de 2015

Memória de Churchill

You ask, what is our aim? I can answer in one word: It is victory, victory at all costs, victory in spite of all terror, victory, however long and hard the road may be; for without victory, there is no survival. (1)

Na usura dos dias e na arrogância de multidões de figuras políticas menores e irrelevantes, ele foi o homem político, aquele que soube analisar a realidade, verificar os factos, acima de qualquer vontade pessoal e perceber o mal que rodeava a Europa e o Mundo. E percebeu-o em diversas ocasiões. Percebeu-o na ascensão do nazismo, na ideia essencial de uma Europa que unisse culturas e que desse à velha Old Albion a sua individualidade própria e compreendeu-o na cegueira de muitos, o que iria significara as libertadoras manhãs das vitórias sem decência.

É, a figura do século XX, pelo que soube lutar, pelo que soube unir, pelo que soube inpirar nessa luta contra o mal absoluto do espírito - o nazismo. Disse-o, na altura da batalha de Inglaterra que "poucas vezes tantos deveram tanto a tão poucos". Afirmou solenemente no seu inglês de aristocrata "that ws shall never surrender", e foi uma figura nada linear. Foi conservador e liberal (quando esses conceitos tinham significado humano), grande orador, rebelde na palavra, das mais ousadas atitudes, que alguns aprendizes (os mestres do irregovogável) gostam de citar, apenas para fazerem parte deste universo que jamais compreenderam. Ele foi, por respiração, por necessidade de afirmar a sua ousa forma de celebrar um pacto com a comunidade, the old england land.

Devemos-lhe essa luta pela liberdade, essa crença, hoje perdida, que a democracia é a sede da construção de valores de cidadania suportada na lei, na representação de uma comunidade e na importância de ter uma abordagem que integre todos, que abarque as questões sociais e o valor do trabalho. Dialogou com a esquerda e a direita, para chegar a reais consensos que melhorem a abordagem das possibilidades, em que o quotidiano se formaliza.

Foi prémio nobel da literatura, construiu para si formas enigmáticas, nem sempre consensuais, mas com o brilho e a inteligência de quem luta por um ideal de serviço aos outros, à liberdade, como forma moral de uma sociedade. Viveu, na crença essencial que a decência e a dignidade das gerações são essenciais para as opções que se tomam. Morreu há cinquenta anos e a sua memória deve ser lembrada. Chama-se Winston Churchill e uma das suas páginas deixa-nos imensos recursos para o conhecermos melhor e honrar essa memória. Aqui.  

(1) - Winston Churchill; discurso na Câmara dos Comuns, depois de tomar posse como Primeiro-Ministro (13 de Maio de 1940)

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Um bom ano

   Um bom ano de 2015 com as cores possíveis e imaginadas por cada um de nós!


Leituras - A cidade de Ulisses

   "Um motivo, portanto, pessoal. 
  Como sabe, é provavelmente sempre assim que surgem as obras de arte: a partir de motivações pessoais, em geral egoístas, para prazer do criador, para que ele possa exercer o seu domínio sobre o real, forçando-o a moldar-se ao seu desejo.
   Sorrio portanto e vejo-o sorrir também a si, a o escrever estas linhas. As pessoas entram nas salas de exposição e vêem coisas na aparência objectivas. Mas os criadores estão dentro delas, inteiros, vida, corpo, alma, tudo - embora sob camuflagem. Expor-se é também esconder-se. E também no disfarce os criadores são mestres, como é aliás do seu conhecimento. 
   Não irei portanto expor-me. Os artistas expõem, mas não se expõem. Fingem sempre".

Leituras - Stoner

“Na biblioteca da universidade vagueava por entre as estantes, por entre os milhares de livros, inspirando o odor bafiento a couro, tecido e papel ressequidos como se fosse um exótico incenso. Por vezes parava, tirava um volume de uma prateleira e segurava-o um instante com as suas mão grandes, que eram tomadas por um formigueiro perante essa sensação ainda nova da lombada, de capa cartonada e das folhas de papel que se lhe ofereciam sem resistência. Depois, folheava o livro, lendo um parágrafo aqui e ali, os seus dedos hirtos virando as páginas cuidadosamente, com medo de, desajeitadas, rasgarem e destruírem aquilo que tinham descoberto com tanto esforço.” (Pág. 18);

“Por vezes, imerso nos seus livros, tomava consciência de tudo o que não sabia, que não lera, e a serenidade à qual aspirava estilhaçava-se, quando percebia o pouco tempo de que dispunha na vida para ler tanta coisa, para aprender o que queria.” (Pág. 28);

“Esse amor à literatura, à língua, aos mistérios da mente e do coração que se revelavam nas ínfimas, estranhas e inesperadas combinações de letras e palavras, na tinta mais negra e fria… esse amor que escondera como se fosse ilícito e perigoso começou ele então a mostrar, hesitantemente a princípio e depois com ousadia e, por fim, com orgulho.” (Pág. 104).

Publicado em 1964, passou despercebido até uma editora francesa o reeditar nos anos oitenta e termos tido acesso a um grande, imenso livro. Um homem calado, trabalhador agrícola,vivendo no mais passivo dos mundos, entre tarefas rurais programadas, descobre o fascínio pela Filosofia e sobretudo pela Literatura. Na verdade a uNiversidade fez nascer um homem para as palavras, para os seus significados, numa vida familiar vazia e triste. É no estudo dos clássicos, que vê uma oportunidade de ser alguém diferente, um professor de Literatura, um entusiasma pelas palavras, pelo que medem no mundo. No seu gabinete redime-se e encontra a felicidade.

Stoner é sobre o nascimento de um homem, alguém que descobre um sentido humano, mesmo na infelicidade conjugal, e nos livros encontra um refúgio. Magnificamente escrito, de uma certa tristeza pungente alberga as fontes por onde descobre o seu caminho. É um livro fascinante sobre o peso das Palavras, esse universo de mundos distantes e próximos que nos faz renascer em novas possibilidades. Um grande livro.

Leituras - Um dia esta dor vai ser útil

"Sê paciente e resistente; um dia, esta dor ser-te-á-util"
 (Ovídeo)

"Quando se deseja com todo o coração que alguém nos ame, nasce uma loucura tal que deixa as árvores, as águas e a terra desprovidas de sentido. Nada vive excepto nós, excepto aquele longo, profundo e amargo desejo. É isto que toda a gente sente, desde que nasce até que morre".

Denton Welch, Diário, 8 de Maio de 1944, 11h 15 da noite

"Quem me dera que todo o dia fosse como o pequeno-almoço, quando as pessoas ainda estão ligadas aos seus sonhos, concentradas no interior e sem estarem ainda prontas para se relacionarem com o mundo que as rodeia. Apercebi-me de que era assim que eu era durante todo o dia; para mim, ao contrário de outras pessoas, não há um momento a seguir a uma chávena de café, a um duche ou a qualquer outra coisa, no qual me sinta subitamente vivo e um pequeno-almoço, ia dar-me bem." (pag. 116)

"A maior parte das pessoas acha que as coisas não são reais a não ser que sejam verbalizadas, que é a pronunciação de alguma coisa, e não o pensamento, que a legitima. Acho que deve ser por isso que as pessoas querem sempre que as outras digam que as amam. Eu penso exactamente o oposto - que os pensamentos são mais reais quando são apenas pensados, que exprimi-los os distorce e os dilui, que é melhor para eles ficarem no compartimento escuro e climatizado da nossa mente, que se forem libertados para o ar e para a luz serão afectados de um modo que os altera, como as películas de filme expostos acidentalmente." (pág. 184)

Os jornais do mundo anglo-saxónico deram-lhe a adjectivação "Um dos melhores romances de sempre" (o que sendo  um exagero) revela de algum modo as questões que o livro do americano Peter Cameron. A ideia base do livro é que existem pessoas que têm pelo seu nascimento e crescimento, pelas suas descobertas, muitas dúvidas, de como se integrar o Mundo. E a decisiva questão se por aqui se coloca, é se demos estar o mais silenciosamente possível neste universo social, feito de normas sociais e de comportamentos pouco éticos. É uma viagem que fazemos com James, pois também nos vemos nós nessa posição, sobretudo, os que por diferentes motivos consideram o Mundo um lugar pouco recomendável.

É um livro também sobre as famílias americanas no pós 11 de Setembro, uma certa disfunção nas emoções, a preocupação pela imagem, a cidade como devoradora dos sonhos iniciais de tantas pessoas que a viram como a construção do seu universo mais sentido. É um livro que nos remete para a dimensão do que pensamos e das oportunidades que temos para as fazer ouvir, num mundo individual, sempre mais verdadeiro que as maiorias de circunstância. Um dia esta dor vai ser útil é uma narrativa sensível e de inteligência sobre as contradições de uma sociedade de massas. É em definitivo um grande livro para nos interrogarmos e darmos alicerces a esse caminho, por onde a solidão nos faz questionar a nossa existência.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Leituras - Uma vida sem princípios

"Se alguém tiver o hábito de passear nos bosques metade dos seus dias, porque gosta deles,  corre logo o risco de ser considerado como um vagabundo; mas, se passar todos os seus dias como especulador, arrasando os bosques e tornando a terra baldia antes do seu tempo, será louvado como um cidadão empreendedor e habilidoso. (...) 

"Que sentido tem o termos nascido livres se não vivermos livres? Qual é o valor de qualquer liberdade política, a não ser o de fazer possível a liberdade moral? Afinal, de que é que nós nos orgulhamos? Será que nos vangloriamos de ter liberdade para sermos escravos, ou de termos liberdade, para sermos livres?" (págs. 30 e 54).

Henry David Thoreau é um dos nomes essenciais da cultura americana dos séculos XIX e XX, o que quer dizer da nossa própria vivência de contemporaneidade. Thoreau conduziu a sua breve vida pela procura no real do que de mais belo ela nos pode fazer descobrir. A beleza das coisas simples. 

Thoreau percebeu antes de todos os movimentos ecologistas que a vida em sociedade, encostada a chavões de economia, sem real valor pelo que mais significado dá ao seu quotidiano, como ser detentor de uma liberdade moral, deveria encontrar no Universo esse diálogo com o mais interior, a beleza suprema. Não é possível falar de qualquer movimento de luta pelos direitos de minorias, ou de direitos civis, sem pensar na obra de Thoreau. Não é possível abordar os fundamentos dos movimentos não violentos, contra as diferentes tiranias do século XX sem pensar em Thoreau.

A palavra como conceito foi arrastada para significados impróprios, mas o que cada um é no seu melhor, em contraposição contra o Estado dominador precisa de cultivar e com isso contribuir para a comunidade, é justamente a ideia de individualidade. É com ela que Thoreau se debruçou sobre a poesia, a escrita científica, cultivando um inconformismo, nem sempre compreendido, mas absolutamente revolucionário. 

Thoreau ensinou-nos, acima das ideologias e das crenças políticas, que esta é uma área onde encontramos o superficial e inumano com relativa frequência, tendo num tempo de jornais e media sem a dimensão actual, percebido que neles pode morar formas ocultas de governo. E por isso também de focos ilegítimos de poderes económicos, sem legitimação democrática. 

Thoreau falou em textos diversos, para os colocados à margem, para os que olhando para os que lutam arduamente em espelhos  ocasionais, puros de enfermidade, onde a rara decência é tão difícil de encontrar. Uma vida sem princípios, é tal como Walden, ou A vida nos bosques, ou A desobediência civil obras de referência absoluta, sobretudo em tempos de decadência moral profunda.