segunda-feira, 13 de junho de 2016

No nascimento de Pessoa

Vejo-os belos aristocratas bem vestidos, a confluência da política por avenidas sem decência humana. Vejo-os belos e ricos chefes de informação de televisões que confundem tudo, a informação e o poder. Vejo o grande século e olho estas tuas palavras e elas bastariam para enunciar a tua universalidade, a falência humana dos séculos sem a dignidade e a inteligência das ideias... 
Obrigado Fernando...
"Abram todas as janelas do mundo..." 
Mandado de despejo aos mandarins do mundo

Fora tu,
reles
esnobe
plebeu
E fora tu, imperialista das sucatas (...)
Ultimatum a todos eles
E a todos que sejam como eles
Todos!
Monte de tijolos com pretensões a casa
Inútil luxo, megalomania triunfante (...)
Ultimatum a vós que confundis o humano com o popular
Que confundis tudo (...)
Sim, todos vós que representais o mundo
Homens altos
Passai por baixo do meu desprezo
Passai aristocratas de tanga de ouro
Passai Frouxos
Passai radicais do pouco
Quem acredita neles?
Mandem tudo isso para casa
Descascar batatas simbólicas
Fechem-me tudo isso a chave
E deitem a chave fora
Sufoco de ter só isso a minha volta
Deixem-me respirar
Abram todas as janelas
Abram mais janelas
Do que todas as janelas que há no mundo (...)
E o mundo quer a inteligência nova
A sensibilidade nova
O mundo tem sede de que se crie
Porque aí está apodrecer a vida
Quando muito é estrume para o futuro
O que aí está não pode durar
Porque não é nada
Eu da raça dos navegadores
Afirmo que não pode durar
Eu da raça dos descobridores
Desprezo o que seja menos
Que descobrir um novo mundo
Proclamo isso bem alto
Braços erguidos
Fitando o Atlântico
E saudando abstratamente o infinito."


Álvaro de Campos, 1917

domingo, 12 de junho de 2016

Amadeo de Souza-Cardoso - A criação do artista


Um pequeno filme sobre o percurso curto de vida e a genialidade de uma obra que se integra nas vanguardas que no início do século XX marcariam a cultura e a ruptura de valores na sociedade. Amadeo de Souza-Cardoso é um dos pontos mais altos da arte do século XX. Aqui o evocaremos em diferentes materiais que fomos produzindo em outras plataformas e que procuraram relacionar o 1º Modernismo com outros dois nomes essenciais, Almada Negreiros e Fernando Pessoa.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Deambular por Londres com Virginia Woolf (II)

Como é bela uma rua no Inverno! Ao mesmo tempo explícita e obscura. Aqui, é possível traçar vagamente avenidas direitas e simétricas feitas de portas e janelas; aqui, debaixo dos candeeiros, flutuam ilhas de luz coada, por onde passam, rapidamente iluminados, homens e mulheres que, apesar de toda a sua miséria e desmazelo, transportam qualquer coisa de irreal, um ar de triunfo, como se tivessem fugido da vida, de modo que a vida, iludida por quem a despejou, erra sem eles. Mas, mesmo assim, ainda estamos apenas a deslizar suavemente pela superfície das coisas. (...)

Como é bela uma rua de Londres, com as suas ilhas de luz, e os longos arvoredos de escuridão, e num dos lados, talvez, um espaço relvado salpicado de árvores, onde a noite se enrosca naturalmente para dormir, e quando atravessa o gradeamento de ferro se ouvem aqueles pequenos estalidos e a agitação das folhas e dos gravetos, o que pressupõe o silêncio dos campos em redor, o piar de uma coruja, e ao longe o ruído de um comboio a passar no vale.

Mas estamos em Londres, lembremo-nos; bem acima das árvores nuas há molduras de luz oblongas, de um amarelo-alaranjado-janelas; existem pontos de luz a brilhar, imóveis, como estrelas baixas -candeeiros; este espaço vazio que contém o campo e o seu sossego é apenas um bairro de Londres (...) onde encontramos os acenos das chamas nas lareiras, e as incidências de luz projectadas pelos candeeiros sobre a privacidade de uma qualquer sala, as suas poltronas, os seus papéis, a porcelana, a mesa de embutidos, a figura de uma mulher...

A qualquer momento o exército adormecido pode despertar e acordar em nós, como resposta, uma multidão de violinos e trompetes, o exército de seres humanos pode erguer-se e defender todas as suas peculiaridades, sofrimentos e sordidez.

               Virgina Woolf. (2016). Fantasmagorias. Lisboa: Feitoria dos Livros, pá. 35, 36 e 37.

domingo, 15 de maio de 2016

Deambular por Londres com Virginia Woolf (I)

Nunca aconteceu, talvez, alguém sentir-se apaixonadamente distraído por um simples lápis. Mas há circunstâncias nas quais o desejo de possuir um se pode tornar absolutamente avassalador; momentos em que, sob pretexto de possuir um objecto, estamos a inventar uma desculpa para calcorrear metade de Londres entre a hora do chá e a hora do jantar. (...)
protegidos por este argumento nos pudéssemos entregar, em segurança, ao mar dos prazeres com que a vida citadina nos alicia durante o Inverno - deambular pelas ruas de Londres. Convém que a hora seja ao cair da tarde, e a estação o Inverno, pois no Inverno o brilho esfuziante do ar e a sociabilidade das ruas são compensadoras. Não nos sentimentos atormentados, como no Verão, pelo desejo de sombra, de isolamento e do ar suave dos campos de feno. E também porque o cair da tarde nos permite sentir a irresponsabilidade que a escuridão e a luz dos candeeiros concedem. Já não somos exactamente os mesmos.
Assim que pomos um pé fora de casa, entre as quatro e as seis horas de uma bela tarde, largamos o eu pelo qual os amigos nos conhecem, e tornamo-nos parte daquele vasto exército republicano de vagabundos anónimos cuja companhia é tão agradável, depois de termos estado no retiro daquele quarto só nosso. Porque neste permanecemos rodeados de objectos que expressam, de modo eterno, a singularidade dos nossos temperamentos e reforçam as memórias da nossa experiência.
Virgina Woolf. (2016). Fantasmagorias. Lisboa: Feitoria dos Livros, pá. 29 e 31

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Ver o mundo natural...

Viver longe da natureza é uma forma de nos esquecermos, é uma formulação para uma ausência da nossa consciência. As palavras são breves instrumentos da linguagem que vivem incompletas sem o horizonte que um campo cultivado, uma floresta de abetos permite construir em nós. Ulisses gostava dos trabalhos de cultivo da terra. 

Sophia dá-nos essa ideia, a civilização em que o pensamento se afastou da mão. O que quer dizer que se afastou do corpo. Assim construímos formas de vida feitas de “meias verdades, de meias palavras, exilados de nós próprios” (José Tolentino Mendonça, “Constrói um jardim”, in Que coisa são nuvens”). Vivemos emergidos em formas de vida social, marcados por linhas desumanas, necessidades estranhas que estão distantes, estrangeiras, imaginadas em prateleiras de sonhos de pura burocracia. Somos condutores de experiências que não se formam em nós, não se formulam na nossa identidade.

O mudo de sucesso de todo o empreendedorismo tem conduzido à construção de formas de vida tóxicas, baseadas na produção cega, os químicos destruidores da vida e do crescimento, os tempos dilacerados em estantes de dinheiro fácil. É pois preciso voltar ao campo e sentir as palavras de Tao Qian ditas no século IV, “Em jovem não me adaptava à vulgaridade: amava as colinas e os montes. Por engano, depois, deixei-me prender nas malhas do mundo e assim dispersei muitos anos da minha vida. Mas o pássaro aprisionado tem saudade da antiga floresta e o peixe do riacho recorda quando nadava livre na corrente. Foi quando avistei a sul estes campos incultos. Para preservar a minha simplicidade regressei aos campos. Por longo tempo encerrado numa gaiola pude por fim voltar à minha natureza”.

Voltar à minha natureza, tradução da ideia chinesa de ‘fanzir’, o que significa que sermos nós é sermos devolvidos ao que somos, a revelação a nós próprios. As palavras são insuficientes, pois não condensam toda a verdade emotiva. Pensar o mundo é olhar o mundo, ver o que nos rodeia e construir uma forma de sabedoria. Cuidar de um jardim é uma forma de educação. Os homens letrados da China do século VIII pensavam-no como forma de vida. “Desde que habito aqui, levanto a cabeça e avisto a montanha.

Baixando-a, escuto as fontes. Viro-me para o lado e apercebo-me do bambu, das árvores, das nuvens e dos rochedos. De manhã e ao entardecer eles todos têm uma única voz. Instantaneamente o mundo abraça-me e a minha respiração abandona-se como convém, interiormente e externamente. Depois de uma noite o meu corpo acalmou-se; duas noites e o meu coração encontrou paz. Três noites e sinto-me tão bem que perco a consciência de tudo sem saber como isto se produz. O mundo que me rodeia conduz-me à sabedoria.”
Construir um jardim é pois, a forma de encontrar de uma totalidade de ser.

É a oportunidade para compreender a própria dimensão das nossas falhas, os erros que nos consomem, as fracturas que tentamos remediar num mundo que se quer omnipresente e sem falhas. O jardim é a contemplação de um arranjo que se vê no possível, no que existe, às vezes grande, outras vezes pequeno, mas sempre grandioso. A humildade do que podemos ser e as formas maiores da nossa eloquência constroem-se com uma felicidade que reconhece a si própria. É à nossa volta que se o mundo natural emerge como uma lição maior, uma sabedoria capaz de resgatar formas de existência que se reduzem a ritmos desajustados do coração, o sentido sanguíneo e respirado do corpo.


A partir de um texto de José Tolentino Mendonça, 
“Constrói um jardim”, in Que coisa são nuvens”; Imagem: Copyright - m-ban

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Podcast (1)

Purple Rain

I never meant to cause you any sorrow
I never meant to cause you any pain
I only wanted one time to see you laughing
I only want to see you laughing in the purple rain
purple rain, purple rain 
I only want to see you bathing in the purple rain
I never wanted to be your weekend lover
I only wanted to be some kind of friend
baby I could never steal you from another
it's such a shame our friendship had to end
purple rain, purple rain
I only want to see you underneath the purple rain
honey, I know, I know, I know times are changing
it's time we all reach out for something new, that means you too
you say you want a leader,
but you can't seem to make up your mind
I think you better close it
and let me guide you into the purple rain
purple rain, purple rain
I only want to see you, only want to see you
in the purple rain
Prince, Purple Rain, 1984
Capa - Bob Staake, "Purple Rain", The New Yorker (http://www.newyorker.com/…/culture-d…/cover-story-2016-05-02)