sábado, 7 de dezembro de 2013

Tom Waits

You can never hold back spring
You can be sure that I will never
Stop believing
The blushing rose will climb
Spring ahead or fall behind
Winter dreams the same dream
Every time


You can never hold back spring
Even though you've lost your way
The world keeps dreaming of spring


So close your eyes
Open you heart
To one who's dreaming of you
You can never hold back spring
Baby


Remember everything that spring
Can bring
You can never hold back spring

Um homem na cidade ... na memória de Ary dos Santos


(...) Eu sou um homem na cidade
que manhã cedo acorda e canta
e por amar a liberdade
com a cidade se levanta.

Vou pela estrada
deslumbrada
da lua cheia de Lisboa
até que a lua apaixonada
cresça na vela da canoa.

Sou a gaivota
que derrota
todo o mau tempo no mar alto
eu sou o homem que transporta
 a maré povo em sobressalto.

E quando agarro a madruga
colho a manhã como uma flor
à beira mágoa desfolhada
um malmequer azul na cor.

O malmequer da Liberdade
que bem me quer como ninguém
o malmequer desta cidade
que me quer bem que me quer bem! (...)

José Carlos Ary dos Santos, «Um Homem na Cidade»
Imagem, ©, in  http://portfolio-da-sara.blogspot.com

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

"Libertas, Felicitas, Humanitas"


"Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias."


Sophia, Apesar das ruínas e da morte, "I", in Poesia

A sua vida preencheu o que o Imperador Adriano disse nos longínquos anos do século I, "as intermitentes formas de eternidade" que buscamos entre homens que compreendem com formas novas as pedras caídas das estátuas e das cidades que adormeceram. Os homens que percebem o valor e o significado dessa imensa forma de beleza e de dádiva que é "Libertas, Felicitas, Humanitas". 

Sendo a sua vida um exemplo maior, muitos escreverão a evidência da sua entrega, a luta por um ideal, a infinita capacidade de se conduzir nesta respiração que ambiciona outorgar em cada um o seu infinito valor humano. É verdade que há muito se temia, a sua perda material, mas ele é já há algum tempo um património de memória, de inspiração e de dignificação do que cada homem pode ser.

Num tempo de ruído, saberemos todos compreender o valor do seu amor pela Humanidade, o significado que cada um pode ter nos outros? Mandiba confirma-nos que todo o impossível se pode alimentar da esforço e de luta e que mesmo os que marcham com o poder, os que recusam o papel da memória e da identidade cultural, também podem e devem ser combatidos em nome de uma decência e dignidade humanas. 

A ideia maior que Yourcenar consagrou na voz de Adriano, "Toda a miséria, toda a brutalidade deviam ser interditas como insultos ao belo corpo da humanidade. Toda a iniquidade era uma nota falsa a evitar na harmonia das esferas. (...) Toda a felicidade é uma obra-prima: o menor erro falseia-a, a menor hesitação altera-a. A menor deselegância desfeia-a, a menor estupidez embrutece-a". Acreditemos, pois que os impossíveis são-no apenas enquanto não lhe dedicámos a nossa entrega em comunhão com os outros.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Leituras - mar me quer

"O coração é uma praia." (1)

De uma obra notável em originalidade, muitos são os testemunhos seus de um património humano de grande valor, por onde a palavra se escuta em infinitos planos. Os sonhos, sempre eles, nessa viagem, onde se definem gestos de encontros e desafios de aventuras. Mar me quer, um pequeno livro sobre esse território de fascínio, onde as palavras se vestem para o dia, onde a emoção se constrói nas nossas memórias, nas histórias que nos embalam.

Mia Couto dá-nos neste livro a simplicidade da vida, o que se procura nos sonhos para embalar a vida, o caminho vivido nas ondas do tempo, no futuro que tanto queremos e não podemos vestir. Mar me quer é um pequeno livro sobre esse chamamento das histórias, do património oral, que nos desfia no tempo, por onde procuramos sempre ver novas manhãs a nascer, do tempo em que é possível despertar um sorriso. 

Ilustrado por João Nasi Pereira, é uma pequena maravilha, um encantamento sobre o caminho do sonho, nessa respiração do mar, no seu silêncio de maresia que é a pele de todas as manhãs amadas do vento. O sonho e a beleza que se encanta e maravilha no universo para o sentir, nesse caminho claro e diáfano com que o céu nos enche o horizonte.

"- E, pois, me diga: qual o serviço que tem o arco-íris?
 - Nem sei lá.
 - Tem o serviço só de fantasiar, de ensinar o céu a sonhar." (2)

(1), (2) Mia Couto, Mar me quer, - Páginas 56 e 23.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Hannah Arendt

...

Uma cidade no bolso...

Tenho uma cidade inteira
no livro de bolso.

Uma esquina de segredos que eram a meias
e se escapavam num rasgão,
naquele desencontro ou noutro. Tenho
uma cidade inteira no bolso e levo escondidas
no casaco noites como aquela em que à conta de
atravessarmos as árvores e arrancarmos raízes,
trocámos os cheiros da terra por histórias
que não precisam de chão. Passámos a ter janelas
para dentro
no lugar dos botões.

Tenho uma cidade de costuras
pouco urbanas,
de buracos remendados com má caligrafia. Tenho
vírgulas gastas, travessões que ninguém quer
a pontuar os encontros nas ruas, quando
destas ruas ainda se faziam margens
para nos esperarmos uns aos outros.
Tenho uma aldeia que se ergue à altura dos olhos
e contorna rotundas com alfinetes de betão.

Tenho uma cidade no bolso
de contrabando.

Minês CastanheiraInter-cidades, Letras e Coisas
Imagem, in Pinzelladasalmón

Memória de Sá Carneiro

"A democracia económica postula a intervenção de todos na determinação dos modos e dos objectivos de produção, o predomínio do interesse público sobre os interesses privados, a intervenção do Estado na vida económica e a propriedade colectiva de determinados sectores produtivos; pressupõe ainda a intervenção dos trabalhadores na gestão das unidades de produção. A democracia social impõe que sejam assegurados efectivamente os direitos fundamentais de todos à saúde, à habitação, ao bem-estar e à segurança social; exige a abolição das distinções entre classes sociais diversas e a redistribuição dos rendimentos, pela utilização de uma fiscalidade justa e progressiva". (Via Abrupto)

Os gurus que pelos media definem a excelência do pensamento, o valor utilitário da democracia e do progresso, em livros, jornais e blogs, no sentido da grande frase, da linguagem de indecência pela vida, os que proclamam com piadas sonoras a inutilidade da História e da memória, esquecem-se do valor humano dos que por aqui souberem respeitar um território e a sua identidade.

Existem pessoas que passaram por nós e emergem como uma onda que pretende marcar na praia sossegada e previsível dos dias algo de diferente, qualquer ideia de mudança, uma paixão pelo confronto com a realidade estática.Existem pessoas que emergem como alimento de um movimento maior, original, criativo, arriscando as convicções no seu objectivo de alimentar a confiança e o entusiasmo.

Existem pessoas que parecem ter uma áurea significativa para impulsionar os movimentos de mudança, acreditando vigorosamente nas suas convicções, como se elas assegurassem sempre um ganho em qualquer contexto, apesar das dificuldades. Convicções com respeito pelos outros, onde a palavra e a acção se comprometem com um quotidiano.

Existem pessoas que parecem ter uma dádiva de conquista pelo seu carisma, pela luta intransigente, pela ruptura, sem concessões por uma quietude mais calma. Ruptura alimentada por ideias, por aquelas que na sociedade permitem construir oportunidades e da vida que se alimenta apenas de si própria.

Apesar de ainda só terem passado trinta e três anos, o que em História é uma ninharia, não é difícil entregar a Sá Carneiro esse papel com que arriscou os dias. O que teria sido nunca o saberemos. Foi uma figura de primeiro plano na conjuntura dos anos setenta do século passado. No adormecimento de valores que o País vive há duas décadas, Sá Carneiro deixou-nos a interrogação de sabermos até onde iria a sua convicção pelo afrontamento, pela criação de rupturas para algo diferenciado nos dias.